quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Suprema entropia

Um colega dos tempos da residência universitária em Natal, Josenildo, comunista até o tutano dos ossos; adversário da televisão que dizia servir só pra passar propaganda; inflexível defensor de uma revolução geral que passasse tanto pela Química que era seu objeto de estudo quanto pela Sociologia de muitos outros e a Comunicação da nossa parte, tinha especial predileção pela palavra "entropia". Qualquer chance de usá-la e nosso caicoense vermelho preferido sapecava a palavra, como quem ejeta no ar um argumento incontestável: é a entropia!

Josenildo, de quem não tenho notícias há anos, teve esta semana, continue a ser ou não o comunista férreo de 1985, uma chance daquelas de definir uma situação à sua maneira. Só ela mesma, a entropia, para explicar, numa palavra, o inesperado ataque do jornalista Ricardo Noblat ao presidente do STF, Joaquinzão Barbosa. Depois do show do mensalão e suas mil e uma interpretações, eis que o jornalista dirige toda sua verve de detonador de reputação para aquele que minutos atrás era o tal menino pobre que iria mudar o Brasil. Não tenho simpatias por Barbosão, mas Noblat chegou às raias do assédio moral ao dizer que lhe falta "educapção de berço". Pensei na mãe de família sacrificada que criou o filho Barbosinha e seus irmãos com dificuldades e hoje o vê presidindo a mais alta corte judicial do país. E a entropia não termina aí, visto que ato contínuo a jornalista Miriam Leitão saiu em defesa de Barbosa, entornando de vez o caldo dessa... entropia.

Entropia é uma palavrinha do tipo que impressiona à primeira pronúncia e, como tantas assim, tem um batalhão de significados complicados atrás de si para lhe garantir essa aura de autoridade meio imprecisa. Vem do mundo das substâncias, explica processos químicos que ocorrem quando um meio passa bruscamente de uma condição para outra. Tem a ver com níveis de temperatura e pressão. Decorre das perdas que tais mudanças acarretam. Não por acaso, nosso estudante de Química e comunista de carteirinha surrada Josenildo a descobrira e dela se apropriara como quem ocupa um latifúndio improdutivo. Não por acaso também, de tão cifrada a palavra logo virou instrumento de metáfora. Não por acaso ainda, transposta para a área da comunicação a entropia significa alguma coisa sobre resultados imprevisíveis de um processo marcado por muitas variáveis. E o que Noblat, Leitão e Barbosão têm a ver com isso?

Os três são movidos pelo ego de ofícios ultracompetitivos onde tem mais espaço quem fala mais alto - independente do talento na construção das sentenças (e aqui esta palavra está em seu sentido não necessariamente jurídico, embora de parte dos jornalistas exista sempre o desejo de extrapolar tal limite semânico). Quanto tantas vaidades se juntam no mesmo espaço - a folha do jornal, a coluna na televisão, o plenário do Supremo, o show da TV Justiça, a guerra de análises na internet - alguma imprevisibilidade há de escorrer dos veios das contradições que são inerentes a todos os processos, incluindo os políticos e aqueles relativos à comunicação. A entropia nasce dessas fendas que aparecem nas mais sólidas rochas. E quem conhece sabe que Noblat, Leitão e Barbosão são cada um uma pedreira em particular.

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