segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Festa dos bonecos


Nesse final de semana, tropas de bonecos teatrais se entrincheiraram nos vastos espaços abertos de que é composto o pátio do Museu e Conjunto Cultural da República, aqui em BSB citi. A partir das quatro e meia da tarde começavam os espetáculos e quando se via, seis ou sete da noite, todo o lugar era um mar de pais e filhos ancorados no chão cimentado para assistir, de cara para os artistas (o que era mais difícil, devido às dimensões dos protagonistas) ou frente aos telões, às apresentações de homenzinhos e mulherzinhas feitas do tamanho de um dedo ou capazes de caber - eles e suas longas e incríveis histórias - no espaço de uma folha de papel. 

E foi assim, de uma imensa dimensão diminuta - a estatura fisicamente restrita dos bonecos - a outra que é pura amplidão - o pátio do museu, que transitamos, pais e filhos, entre outros planos, do da realidade parda para o da fantasia multicor da arte e seus efeitos. Eram muitos espetáculos, grande parte deles simultâneos, o que lhe causava uma feérica confusão: o que assistir, onde se deter? Na arte de animação de bonecos britânica ou no nosso velho e estimado mamulengo nordestino? Cedemos, porque era precisa ceder a algum deles por menos binários que queiramos ser, a um espetáculo de extração latino-americana em que os dedos das mãos do artista, dotados de pequenas próteses de brinquedo que imitam um rosto humano, pés e mãos, transformam-se em pequenas criaturas circenses a se exibir no seu minúsculo picadeiro. É impressionante o grau de abstração que o artista consegue com esses meros complementos e o movimento que dá aos próprios dedos: bastam três minutos para você e as crianças esquecerem que estão diante não de uma mão humana dotada pelo poder da arte, mas de um serelepe circense atrapalhado entre escadas, tochas e bambolês. 

A imersão é completa, como completo é também o mergulho que fizemos nós e as crianças no plano bidimensonal mais banal de uma folha de papel: agora é outro o espetáculo que o telão projeta, dando-lhe apenas um pouco da gigantesca dimensão que ele, mesmo usando tão pouco, é capaz de alcançar nas vielas do nosso cérebro e da nossa sensibilidade. O show agora nem conta com bonecos, fisicamente falando. Ou conta: mas é um boneco que o artista, valendo-se de papel, uma caneta hidrocor, uma tesoura dessas de criança e uma placa luminosa (apenas para favorecer a projeção), fabrica para o efeito que pretende dar ao seu espetáculo. Estamos diante de uma adaptação para papel e lápis da "Flauta Mágica", a história que quase todo mundo conhece ao menos de ouvir falar a partir da ópera de Mozart. E o artista reconta a história toda usando este boneco que ele primeiro desenha e depois recorta em pedaços para realizar uma animação em tempo real que deixa o público estupefato - seja ou não criança, de fato ou apenas em espírito. 

Ainda tivemos o prazer de rever o show "Música de Brinquedo", do conjunto Pato Fu, que já havia sido apresentado em espaços público em Brasília mas que também nunca será demais. Mas encerrada a performance dos músicos e dos bonecos que os acompanham na apresentação, a gente volta pra casa com a mente fixada nas miudezas criativas de bonecos de dedos e do flautista de papel: aquelas nossas imitações da vida em dimensão tão reduzida que acabam por, em oposição, agigantar nossas percepções de nós mesmos. Deve ser esta a magia dos bonecos que o SESI reuniu em Brasília no festival "Bonecos do Mundo": nos reduzir a um pedacinho de papel ou a um dedinho da mão para que a gente, devidamente redimensionados em nossas pretensões de super-homens e mulheres, baixemos a bola e abramos espaço à força da imaginação transformadora. 

Aí então, quando a gente levanta do chão frio do pátio do museu e limpa os fundos das calças dando palmadas nas bundas doídas, estaremos espanando um pouco dos excessos que a vida longe dos bonecos e próxima da rotina fazem crescer. Com isso, redimensionamos a nós mesmo, ficando de um tamanho mais próximo das crianças que levamos conosco, tanto no festival de teatro de bonecos quanto na vida de todos os dias.

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