quinta-feira, 15 de março de 2018

HAWKING, PUTIN, MARIELLE...





Esta semana aprendemos muito com Stephen Hawking, o cientista que, misturando astrofísica com superação pessoal, colocou em questão os limites do ser humano.  Acrescento que por estes dias também estamos tendo a oportunidade de aprender muito com Vladimir Putin. Isso mesmo, o homem forte da Rússia que, além de todos os defeitos que lhe são imputados, esta semana também passou a ser acusado de ter usado armas químicas na Inglaterra para matar um agente duplo de espionagem, colocando muito mais gente em perigo.

Qual seria o ensinamento de Putin, tão odiado ocidente afora, embora aclamado como ídolo pop entre os seus – especialmente entre os seus mais jovens eleitores russos? Justamente isso: a aclamação. O que dizem esses eleitores novinhos ou nem tanto para justificar a adoração por esse outro Vladimir? Entre várias outras palavras que usam, como “próximo do povo”, “forte” e “pratica esportes” (pra gente ver como o apelo político funciona segundo outras regras tão estranhas ao que pensa o jornalismo, a ciência política, a academia e alhures), os russos falam em “estabilidade”. Temem que, sem um cara valente como Putin, a Rússia volte aos dias de tumulto que viveu nos anos 90, quando, para além dos autoritarismos de sempre, o que havia no ar eram dúvidas, insegurança e outras características de um país à deriva.

Em um Brasil cheio de dúvidas, insegurança e vivendo praticamente à deriva, não custa ter humildade e reconhecer que “estabilidade” pode ser a palavra-chave – além do protesto puro e simples, claro – na definição do sr. Eleito ao final de outubro deste ano. Porque as pessoas, é mister reconhecer, apreciam a estabilidade, gostam de ter um parâmetro com o qual medir suas próprias possiblidades, veneram uma certa certeza – essa matéria enganadora que também, tantas vezes, impede tantas pessoas de progredir, tanta necessidade têm elas de garantias de que tudo dará certo. Nem sempre – a vida não se processa assim, e a ousadia é o outro lado da moeda da estabilidade.

Mas o anseio por estabilidade está lá, adormecido, dentro de cada um, esperando o momento de dar seu pitaco, fazer aquele gesto mínimo que diz tudo na hora mais inesperada, com – aí sim – os resultados mais imprevisíveis. Ou Donald Trump não é um produto dessa mistura química de emoções e projeções de camadas variadas de segmentos sociais unidos por uma mesma aspiração que não soa agradável ao ser ouvida?

Então, não desprezem Putin, não minimizem o sentimento dos russos. Procurem entendê-los dentro das circunstâncias deles, que em vários momentos podem ser também as nossas. Vivemos nos últimos dias momentos realmente turbinados de emoções fortes à sombra da morte e da longevidade não esperada de Hawking, assim como das novas denúncias de Madame May contra o vilão juramentado Putin. Não precisávamos nem um pouco do fuzilamento de uma vereadora negra dedicada à defesa dos direitos sociais e humanos para encerrar a semana.

Mas sobre a lição incontestável de Marielle Franco, temos uma palavra muito mais forte, rica e bela do que “superação” e “estabilidade”: coragem. Com um pouco de cada uma delas podemos reerguer a dignidade brasileira perdida.

terça-feira, 13 de março de 2018

TV PIRADA







Socorro! Tem uma televisão maluca me perseguindo! Eu corro prum lado, ela vem atrás; giro nos calcanhares pensando que vou escapar a tempo e eis que a TV pirada me aparece bem no meio do caminho. O que será? Um deus, um avião, um campeão de audiência, um supercomputador, o Superman? Não, é a NET que, agora associada à Claro, que empurrar aos clientes um pacote conjunto com o que parece ser o pior que as duas companhias têm – imagine uma montanha de defeitos, detritos, irritações, mudanças não previstas em contratos e afins empilhados até o limite do céu, qual uma torre de babel burocrático-comercial que faz você – o cliente – parecer um pontinho no chão, humilhado por esse gingante de arrogância empresarial.

Sou um fanático consumidor de televisão, que foi o computador e o videogame da minha geração. Hoje, vejo quase nada de televisão no horário e na grade convencional. Trabalho num canal de TV, o que já é meio caminho andado para sentir um quê de obrigação cada vez que ligo um aparelho. Mas gosto do “pacote” da NET porque ela me permite ao menos usar recursos do serviço on demand, distribuindo o que me interessa ao longo dos horários em que estou disponível pra mim mesmo – quem hoje pode dizer que é, va-lá, uns 50% disponíveis para si mesmo, hein?

Então: de uns tempos pra cá, dona Net, que era uma mulher moderna, cheia de GNTs, multishows e outros atrativos canais de sedução, caiu numa vala comum que a linguagem empresarial chama genericamente de “mudança de gestão”. Apossaram-se da outrora elegante dona Net uns executivos de pó de nada, do tipo que quanto mais vazios mais arrogantes são, e, firmando um acordo com a telefônica já citada aqui neste documento fracassado, passou a querer empurrar à força aos clientes o consumo associado das duas marcas. Anotem: além de não conseguir ampliar essa cartela de novos clientes, correm o risco de perderem os antigos, como eu, seduzidos há mais de uma década. (parênteses: converse com um desses garotos que trabalham na instalação do sistema em sua casa e veja se ele também não tem, de uns tempos pra cá, tanto motivo de reclamação quanto você. Fim do parênteses)

O que mais espanta – e preciso registrar aqui para mostrar que não se trata de mera reclamação de consumidor, mas daquele tal algo mais que merece ser dito com ênfase maior – é o treinamento que deram ao novo call center da NET-Claro, infelizmente instalado em Recife, o que nos obriga a ser grosseiros com aquela gente tão interessante como são os pernambucanos. Compadeço-me das moças e rapazes que por força da necessidade precisam desse emprego, mas quando um deles – como ocorreu hoje – liga pra me oferecer o pacote NET-Claro pela milésima vez (pacote que Rejane já tentou usar e revelou-se uma armadilha ao consumidor) – não há como não sentir o nível de irritação subir até o cliente de dez anos não ter outra saída a não ser bater o telefone diante do funcionário do call center.

Porque eles são condicionados a sempre ter uma pergunta engatilhada de forma a, apelando ao fim da paciência do interlocutor, acabar convencendo-o a aderir ao que quer que seja. Ou, bem pior: responder à sua resposta com nova pergunta que jamais deveria ser feita quando se trata de seduzir quem está do outro lado da linha – “por que não deseja o novo serviço?” (em tom de cobrança absoluta, por favor). E vai além: “se não conhece o serviço como é que pode dizer que é ruim?”

É a massa classe C empregada pelo novo estrategista empresarial do Brasil almofadinha dando aula grátis de como subestimar o seu mercado potencial. Para ele, não existe vida inteligente do outro lado do balcão que resista a uma conversinha toda codificada previamente. Ao cliente não resta alternativa a não ser revalidar aquela resposta que no mundo infantil não terá qualquer validade mas aqui ressurge coberta de motivos: “porque não”. E chega.

E é isso o que o registro deseja cravar: chegamos a tal ponto nas relações de mercado, na seara da compra e venda, no vale tudo das liquidações do bom senso que, em terreno completamente livre de regulação e absolutamente liberado de fiscalização, viramos todos reféns da nossas diversões eletrônicas, das nossas relações virtuais, do grande cerco do irmão capital. A NET-Claro é só um braço, another brick in the wall.


domingo, 11 de março de 2018

ÉPICOS DE ONTEM E DE HOJE




Há quanto tempo o amigo não assiste a um filme com milhares de figurantes espalhados por todos os cantos da tela? Ok, não vale citar Christopher Nolan, pois que senão a ideia aqui vai toda por água abaixo – sobre esse moço aí a gente fala mais à frente. O assunto agora é mais para trás, bem para trás. Pense numa tela absurdamente grande, numa projeção lavada e cheia de bolor, num elenco estelar da era em que astros e estrelas ainda eram misteriosamente inacessíveis e complete com... justamente, uma legião de figurantes de verdade, corpo, alma, sangue e suor. Nada de efeito multiplicador das novas tecnologias.

Estamos no tempo dos filmes épicos. Uma época em que a maior tecnologia com que um diretor de um mastodonte em imagem e som desses podia contar era um reles megafone – pra bradar aos quatro ventos e fazer funcionar aquela balbúrdia de judeus em êxodo, ou soldados romanos, ou ainda indianos miseráveis – desde quando indiano em filme épico pode reivindicar alguma respeitabilidade? Isso aqui é porque eu acabei de ver, pela primeira vez com o meu famoso atraso regulamentar, o espetacular, megalômano  e ambicioso “El Cid”, um épico com quem eu estava em dívida há séculos.

Esta semana, achei uma copia num sebo – de tão gigantescos, coitados, hoje os pletóricos épicos de outrora se escondem, meio envergonhados, em prateleiras de DVDs promocionais nos sebos mais recônditos da cidade, pra ver o que é a vida. Há pouquíssimos épicos dignos do nome na Netflix, por exemplo. Paguei a merreca habitual e levei o DVD pra casa, numa sacolinha de plástico, aquilo que num passado nem tão remoto assim tinha um peso de ouro e mal cabia nas telas de todo os cinemas disponíveis, dado não só a amplidão do formato, aquele cinemascope “in tecnicholor” que nas mãos do músico potiguar Babal virou uma bela canção, mas também à própria pretensão.

Porque épico digno do nome é, no mínimo, o máximo. Se não for pelo menos pretensioso, não vale. Ainda que fracasse na bilheteria – mas há fracassos que, convenhamos, são um sucesso. Vide “A queda do império romano”, o último de uma linha de filmes sobre aquele pessoal de sandália no pé, sainha na cintura e uma ideia permanente de guerra na cabeça que rendeu  muitos épicos. Nunca esquecerei da noite quase inteira que varei hipnotizado diante de uma TV em branco e preto assistindo a “Quo Vadis” pela primeira vez, no desconforto dos bancos de um salão de um colégio interno. Como também tenho gravada na memória afetiva a dureza que foi assistir a “Passagem para a Índia” no grande salão que era o Cine Rio Grande, no centro de Natal – um cinema tão confiante em si mesmo que se permitia ter cobogós nas paredes, mesmo situado ao lado de uma avenida com um trânsito bem barulhento. Você comprava sua passagem para a Índia, testemunhava todo aquele conflito gerado pelo choque cultural e psicanalítico entre uma burguesa britânica e um rapaz indiano tendo como trilha sonora adicional o zum-zum-zum dos ônibus lotados na avenida ao lado. Pensando bem, não deixava de ser bem indiano. Duro devia ser quando passavam um drama de Bergman.

Ah, sim, sobre Christopher Nolan que, para quem não ligou o épico – digo, o nome – à pessoa é esse novo cineasta que vem causando furor entre os críticos mais exigentes. Ainda não me convenci que ele seja o “novo” Stanley Kubrick. Admito que o cinema dele  procura fugir da média do cinemão atual sem sair de dentro do star system. Mas o cara está aqui porque é sabido que se nega a duplicar e quadruplicar figurantes eletronicamente em seus filmes. Tem que ser gente de carne, osso, mandíbula e saco cheio quando a filmagem demora demais, assim como acontecia com os antigos.

E foi isso o que fez em “Dunkirk”, seu mais recente e elogiado filme, que mostra o difícil resgate de soldados britânicos cercados numa praia por alemães durante a II Guerra Mundial. Vi no cinema, mas pretendo rever em casa – porque o filme, digamos assim um épico mais contido, se é que isso é possível, pareceu-me no cinema um exercício brilhante de uso das técnicas cinematográfica até o ponto onde elas suportam serem exercitadas. Incrível, mas a emoção, pra mim, foi-se embora na bacia de água suja que Nolan jogou fora pra atingir seu objetivo. E para um épico, mesmo um épico que não quer assumir plenamente sua condição como parece ser o caso de “Dunkirk”, não basta reunir a população do Canadá – excluídos os imigrantes – na locação. É preciso que esse povo todo faça a gente se emocionar sem se dar conta de que está chorando no meio de uma multidão.