segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Flores raras, fracas e fortes




Tem o apelo de duas personalidades marcantes e verdadeiras, assim como o atrativo de testemunhar as entranhas de um relacionamento tempestuoso. Tem o pano de fundo histórico composto pelos bastidores de um livro vencedor do prêmio Pulitzer e da idealização e construção do Parque do Flamengo, cartão postal urbano da cidade do Rio de Janeiro. Tem a curiosidade de saber como se davam os casamentos homossexuais no Brasil dos anos 50 na elite de uma cidade que já era então capital cultural do país, além de ser de fato sua cidade primeira. Tem Glória Pires, uma atriz que, como o argentino Ricardo Darín, é sempre uma garantia de um excelente filme - só o fato de estar lá, no elenco, já adianta que se trata de algo bem trabalhado, refletido, elaborado. E tem a assinatura de Bruno Barreto, um cineasta que não tem pudor de realizar filmes de extração mediana no que a palavra tem de bom: é um narrador metódico e comedido, cujos filmes, sem abrir mão de se comunicar com o total da plateia, enxertam poesia e sensibilidade nos casos que levam para a tela do cinema.

Mas tem algo mais do que tudo isso ao final da projeção dessas "Flores Raras" em cartaz desde sexta-feira: tem um conto sensível sobre a perda. Mais que isso: sobre a capacidade de lidar com a perda. Mais ainda: sobre o jogo de falsas aparências que esse lidar comporta. Temos a arquiteta autodidata e trator humano por formação que é a brasileira Lota de Macedo Soares e seu caso de amor com a poeta norte-americana Elizabeth Bishop. Temos, na brasileira, a força, o ímpeto, a arrogância de uma elite econômica e cultural que até hoje dita - ou imagina que o faz - seus princípios a partir da para sempre capital cultural do país. Temos, na americana, a fragilidade do poeta, o espírito trincado em dor da alcoólatra, a insegurança de quem lida com o sentimento antes de se aproximar do martelo bruto da vida. 

Temos este relacionamento e seus enganos: veremos - e é preciso dizer sem estragar o prazer narrativo de quem, não conhecendo os detalhes da história, ainda não foi ao cinema para vê-la - a força que aquela fraqueza pode ter, e vice-versa. Lota é uma pessoa tão completa dentro de sua auto-afirmação de fundo mimado que, no limite, corre mais riscos do que a bebum Elizabeth e sua constante proximidade da morte. Parece, o tempo inteiro, que Elizabeth vai morrer tragicamente na próxima cena. Parece, a todo momento, que Lota é como um daqueles postes de iluminação que ela colocou no Parque do Flamengo, altos, sólidos, concretos e inflexíveis a ponto de suportar as piores tempestades, iluminando os sobreviventes com um certo desdém de quem vive no alto. 

Mas Lota não sabe perder - e Elizabeth é, ao contrário, especialista na matéria. Por isso aqui a fraqueza aparente é a resistência mais firme, e vice-versa. Depois deste filme, a gente nunca mais verá os fortes e os fracos com o mesmo olhar de antes. Ao menos não os forte e fracos manifestos, desses que se destacam nos consultórios, nos ambientes de trabalho ou nas passeatas.

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