segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A banca e a vida


- Estamos aqui para falar de um assunto que ainda é muito confuso, impreciso, imprevisível. Um instrumento que ainda está em processo de formação, que passa pelos campos da comunicação, da informática, da engenharia, da sociologia, do comportamento, da indústria de entretenimento e também de produtos eletrônicos. Enfim, um tema envolto numa nuvem de indefinições que não facilita em nada nosso entendimento sobre ele.

Com essa torre verbal e oscilante de interrogações iniciei, trêmulo e ansioso, o final de uma etapa de estudos que me ocupou por horas e horas durante o último ano e meio. O que está escrito no parágrafo acima é a forma como abri,  sem garantia alguma de que chegaria a um final coerente, a defesa de um trabalho de pós-graduação lato sensu - ou seja, sem os rigores de um mestrado acadêmico - na Universidade Católica de Brasília. Meu tema, que estudei aplicadamente junto com uma turma de jornalistas da TV Câmara, TV Senado, TV Globo e assessorias de imprensa foi a TV digital - este que é considerado pelos já tarimbados especialistas no assunto não como um aprimoramento do aparelho de televisão como o conhecemos (isso seria o que faz a smart tv que o comércio já coloca à venda), mas como, de fato, um novo meio de comunicação, com todo o peso que essa reclassificação comporta.

Mas a ideia aqui não é falar sobre a TV digital. Ela foi apenas meu objeto de análise. Estudei formas de transição que um programa da TV Câmara poderia adotar para passar da linguagem analógica para a digital, e mais não adianto pra não fugir dos objetivos aqui. O propósito, na verdade, está mais ligado à realização de um curso dessa natureza em si do que ao assunto sobre o qual ele se deteve. Sim, senhor, consegui chegar ao final daquele parágrafo inicial diante da minha felizmente diminuta plateia composta pela orientadora, pelo coordenador do curso e pela minha convidada para a banca - a colega e esta sim especialista Dulce Queiroz, que cravou sobre o meu trabalho os dentes da análise precisa e extraiu dela avanços e percalços ao final dos quais obtive minha igualmente feliz aprovação. 

Rejane, escolada no seu mestrado em Comunicação pela UnB, me disse que só o fato de ter feito este curso vai resultar numa diferença de pensamento, quando eu me encontrar diante de um matagal de ideias conflitantes, ou de um desafio intelectual desta natureza. Segundo ela, me verei, inexplicavelmente, dotado de um manancial de instrumentos também intelectuais capazes de ajeitar daqui, arrumar dali, agrupar lá longe, selecionar em paralelo - enfim, o curso me deu as tais réguas e compassos que a investigação intelectual utiliza diante de interrogações tão ou mais desafiadoras quanto a que envolve a implantação da TV digital no país. 

Entrei no curso sem saber praticamente nada sobre TV digital - igual a grande parte da população brasileira, embora eu já viesse do mundo da comunicação, o que é um agravante e tanto. Pior é ter que reconhecer que grande parte dos colegas se encontra no mesmo ponto em que eu antes de começar o curso. Jornalistas somos cada vez menos estudiosos, cada vez mais escravos da pior noção do ofício - especialmente quanto se trata de televisão - que é a farsa de que não precisamos ser especialistas em nada, a não ser em generalidades. É como se, tornando-nos especialistas, traíssemos nossa vocação primeira de saber um pouco de tudo. Nada mais falso. 

Durante um ano e meio, submeti minha ignorância aos vários pontos de vista que podem alavancar ou travar de vez a implantação da TV digital de verdade no país. Terminei o curso sabendo imensamente mais - e igualmente mais cético quanto àquela implantação. Cimentei com cuidado de ourives minhas dúvidas diante da melhoria no padrão da comunicação de massa no país. Mas também revi conceitos catastrofistas que guardava na mente apenas por força da acomodação intelectual mais confortável. 

Fiz a travessia do rio metafórico de João Guimarães anos depois de deixar a escola - embora nunca tenha deixado de ser, no dia a dia, um estudante de fato. E me desesperei controladamente no instante imediatamente anterior à apresentação verbal do trabalho, sua defesa frente à banca, munido como guia apenas de um power point dilmoniano que me valeu de salva-vidas conceitual ao longo do longo percurso entre a frase que abre este texto e as derradeiras conclusões entregues à banca. 

Parece que não me perdi muito - sinal de que as garantias, embora não existam, podem trabalhar a nosso favor apenas se a gente absolutamente não contar com elas. Na banca como na vida, vale mais o preparo - duro, árduo, cansativo mas revigorante. Vale mais a experiência do que o sucesso, o processo do que o resultado - é se concentrando em um ou em outro que você diz a que veio, quem é, onde deseja chegar. Agora vou dar um tempo e ler qualquer coisa, ver qualquer filme. Ano que vem preciso urgentemente arranjar outro impasse pra me exercitar.

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