terça-feira, 1 de julho de 2014

Parada para hidratação



Nem a insignificância das manifestações nem a alegria dos colombianos. Tampouco a placidez com que os turistas estrangeiros encaram aeroportos, transportes, impontualidade e outros fantasmas brasileiros. O que mais me chamou atenção na Copa das Copas foi mesmo a tal “parada para hidratação”. Com direito a tarjinha na tela da tevê como se fora uma nova norma do ludopédio globalizado. Eis uma novidade que ninguém previu, ocupados todos que estavam em rogar pragas contra si mesmo à base do hoje desmoralizado “imagina na Copa”.


A parada para hidratação chegou e parece que pra ficar. Não duvido que se transforme em um dos tão exigidos legados da Copa brazuca. Pense bem: e se esse recurso à boa convivência entre homens – atletas ou não – e condições climáticas fosse institucionalizado no dia-a-dia do país após o encerramento dos jogos? Meio surreal justamente porque novidade e meio interessante exatamente porque surpreendente (como não pensamos nisso antes?), a parada para hidratação bem que poderia ser introduzida no trabalho, nas escolas, no comércio, nos grandes e pequenos eventos da vida de todo dia, inclusive na programação da televisão quando os telejornais, em temporada pré-eleitoral, exagerarem nos ataques de entusiasmo antigoverno. Paradinha pra beber água sempre ajuda a recolocar cada coisa em seu lugar.


Por outro lado, pode dar problema. Imagine uma parada para hidratação bem no meio do debate eleitoral entre Dilma, Aécio, Eduardo e Randolphe  (é PSOL, mas bebe água também). Naquela hora em que a pergunta calculada faz o adversário secar a garganta repentinamente e o eleitor vê evaporar as chances de seu candidato. Ou então no meio daquela inesperada briga familiar do almoço de domingo, quando o congraçamento dá lugar às mesquinharias que toda grande família a merecer esse nome conserva embaixo da mesa. Pausa pra hidratação, cada um vai prum lado, rateio de quartos na casa velha dos avós ou bisavós e, ok, ânimos serenados, família que se hidrata unida permanece unida. Ou ainda – e aí é capaz de nem a hidratação resolver – no meio do capítulo da novela “Em família”, quando Luíza, Laerte e Helena estiverem fazendo as contas dos desajustes neurótico-sentimentais. Mas aí, convenhamos, não tem água que provoque qualquer fervura e faça do programa global uma sopa fumegante a hidratar os índices de audiência. Em certos casos, vê-se, parada para hidratação não tá com essa bola toda. 


*Mas que é uma excelente desculpa, isso é: este blog e suas filiais, por exemplo, andam fazendo umas paradas pra hidratação mais longas do que seria recomendável.  Talvez seja um prenúncio do fim – como o “imagina na Copa”, lembra? – ou por outra apenas isso; uma paradinha pra reabilitar as ideias.

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