terça-feira, 3 de junho de 2014

O ano da indecisão

Numa galáxia muito, muito distante, milênios e milênios depois, Hermenegildo recordou a grande marca do longínquo ano de 2014. O ano da grande dúvida. Do dilema, da indecisão. O país, uma terra que então se chamava Brasil, só tinha dois assuntos: Copa e protesto. E era um ou outro - não dava para ocupar dois lugares ao mesmo tempo no espaço, numa estranha reconstituição da lei da física aplicada à realidade de uma pátria e de um povo. Hermenegildo, o indeciso, sentiu durante dias e dias no cérebro as pontadas da mais pendular das dúvidas. Ir para a rua protestar, ou se acabar nos estádios a torcer? Júbilo padrão fifa ou revolta tipo black bloc? Copa ou protesto? Protesto ou Copa?

Hermenegildo pensou, pensou, pensou e, gol!, achou uma solução. Brilhante como uma partida decidida no quadragésimo quarto minuto do segundo tempo. Copa e protesto, sim, mas em dias alternados. Como não tinha pensado nisso antes? Copa e protesto, protesto e Copa, um num dia, outro no outro. Dia sim, Copa; dia não, protesto e assim por diante até junho se acabar - e com ele um dos mais dramáticos problemas que um ser humano de origem brasileira em 2014, chamado Hermenegildo, poderia enfrentar. Acabou, tudo resolvido.

E assim se faria: a partir do dia 12 de junho de 2014, Hermenegildo atirar-se-ia, com a força tensa das mesóclises, à sua manifesta persona cívico-cidadã. De corpo e alma, alma e corpo, seria protesto na terça, Copa na quarta, Brasil X Quem quer que fosse na quinta, protesto contra tudo o que estava ali na sexta. Copa, protesto, protesto, Copa - naturalmente que cada um com seu kit específico acomodado em duas mochilas facilmente identificáveis, verde-e-amarelo brazuca uma, preto-e-cinza de cobrir o rosto em outra. Copa hoje, protesto amanhã, verde-e-amarelo depois, preto-e-cinza semana que vem, amor à camisa na segunda, camisa cobrindo o rosto na terça. Só um detalhe botou tudo a perder naquele inesquecível junho de 2014: ok, copa num dia, protesto no outro, mas qual deles escolher para o primeiro dia, o 12 de junho, a abertura do período tão especial?

Hermenegildo pensou, pensou, pensou e não achou solução. Mesmo assim, desde então, sempre que acorda e abre a janela no Planeta XYZ, milênios depois, lembra com saudade daquele país, daquela Copa e daqueles protestos.

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