quarta-feira, 23 de julho de 2014

Para sempre Suassuna

 
A série de mortes de escritores que nos assalta  acaba de me pregar uma peça: mal escrevi no post anterior sobre um certo caráter performático que não me agradava em Rubem Alves e a internet dá a notícia do passamento de Ariano Suassuna.

Ora, poderia existir escritor mais performático do que o velho pernambucano de roupas de mescla,  jeito de Urtigão e aquele carisma de avô entocado em sítios distantes?

E no entanto, se em Rubem Alves isso me incomodou, em Suassuna toda performance é uma festa só de identidade nordestina. Deve ser castigo do céu.

Mordi a língua, como diria minha mãe. Porque não dá pra tomar Suassuna apenas com base nos textos que a gente leu - e nem foram muitos, mas foram tudo.

Apenas dois: 1) o texto teatral que de tão perfeito parece ter sido ditado por alguma entidade ancestral que é O auto da compadecida e; 2)  aquele tijolo sagrado da alma de um país suspenso formado pelos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte que é A pedra do reino. E no entanto, por mais poderosa que seja essa obra, o criador conseguiu ir muito mais além do que escreveu.

Ele mesmo, sua figura, sua verve nas aulas que dava à guisa de espetáculos, as frases que acrescentou ao dicionário de citações nacionais (mesmo as reacionárias, porque mesmo seu reacionarismo antidigital tinha a graça à parte de não deixar a gente submergir de todo nas novas e avassaladoras convenções) resultavam num todo mais completo.

E o seu caráter performático - lembrai-vos do sono no chão dos aeroportos, que tem de natural o que também abarca de supraconvencional - é como um cordão a costurar tudo isso. Tanto quanto havia em Rubem Alves, ok.

Mas Suassuna estava mais próximo, era um galego nordestino, um gaiato de interior, um ignorante de cidade pequena. "Ignorante" aqui não no sentido de não saber das coisas e das letras, mas na palavra que se usa para apontar o tipo entre arrogante e piadista que é tão comum entre os velhos de PE, PB e RN.

Suassuna, enfim, é um mundo - vivo ou morto.

Natural que a gente o quisesse sempre vivo, qual um Matusalém do semi-árido.

Tratemos, portanto, de mantê-lo vivo; como tivemos a inteligência de fazer ao transpor suas criaturas para a tevê, o cinema, o teatro.

Vamos manter Ariano vivo nas conversas, nos causos de João Grilo, nas mentidas de Chicó.

Não vamos nunca deixar de falar de Suassuna, nem que seja para reclamar de sua aversão aos computadores.

Vamos manter Suassuna em evidência, sempre na moda.

Vamos erguer ao nosso santo literário particular os altares da permanência. Nem que seja blasfemando contra ele.

Nem que seja pichando nos muros de Recife a Natal um "Suassuna forever", slogan que ele jamais admitiria.

Só não vamos esquecê-lo, sob pena de esquecermos de nós mesmos.

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