segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Classes médias


Está virando moda puxar o saco da Classe C, promovida a nova classe média. Até a Veja já deixou de lado seu culto ao refinamento importado e se rendeu às verdinhas brazucas do novo segmento incorporado ao igualmente cultuado “mercado de consumo”. Quem quiser ganhar a algum aí nesse novo nicho pode muito bem colocar na praça um manual do tipo “como lidar com a Classe C sem passar ridículo”, porque como qualquer outro grupo social este que está, como se diz?, bombando na atual economia esta também tem seus códigos. E como foi um grupo visto com desprezo de cima pra baixo durante 500 anos, é natural que, na tentativa de se fazer simpático aos novos brasileiros em ascenção social e econômica, muita gente boa, sofisticada e com grau de refinamento aparentemente à prova de qualquer mancada acabe cometendo as maiores gafes.

A primeira delas é mostrar a nova classe média como um bando de deslumbrados que sai por aí consumindo como... isso mesmo, como quem nunca comeu melado e quando come se lambuza. Se os senhores da classe média tradicional que ainda detém os postos de trabalho conformado e sem iniciativa ou sensibilidade social da grande imprensa conhecessem minimamente os ex-pobres que estão virando novos-classe média saberiam que, mais do que qualquer outra classe – tanto os que estão antes como aqueles situados depois deles na escala da renda – a Classe C é apegada a contas, cálculos e possibilidades.

Se eventualmente há uma margem grande de endividamento – e há, basta passar no setor de pagamento de uma dessas lojas de departamento populares e ouvir as conversas na fila – é apenas um sintoma temporário de um experiência em curso. No longo prazo, ao perceber as brechas do sistema financeiro onde podem cair sem ter a quem recorrer, o novo classe média e ex-sem renda pensa cem vezes e refaz seu comportamento. Sem deslumbramento, sem essa síndrome de paquita da Xuxa que eles parecem exibir toda vez que são fotografados por um grande jornal ou uma revista de maléfica circulação nacional.

Tudo isso era para falar não da nova classe média atual, mas da antiga, tão impiedosamente examinada por... Arnaldo Jabor no seu já clássico ensaio cinematográfico “A Opinião Pública”. O filme dos anos 60 contém toda a voracidade intelectual do seu diretor ao examinar a classe de que ele próprio se proclamava já integrante, e a responsabilizava em grande parte pelo pesadelo político então implantado no país, com a “revolução” de 64 apoiada pela apatia comodista dos seus pares.

O tempo passou, a ditadura caiu, vieram Sarney, Collor, FHC e Lula, veio Dilma, e vendo hoje (pela primeira vez, no meu caso) o rigor do filme (ia dizer documentário, mas Jabor elabora tanto é que é incapaz de documentar o que quer que seja, para o bem ou para o mal) a gente se pega imaginando o quê, de fato – e honestamente, que é onde a coisa pega – Jabor pensa da classe média atual (e não me refiro aos “novos”, mas ao que restou dos antigos e sua tradicional pose superior aos recém-chegados). Todo o furor que o cineasta despeja sobre as salas de estar sessentistas da sua classe média de origem – com a denúncia da acomodação, da composição com o que há de pior desde que o sacrossanto lar esteja a salvo – parece se aplicar perfeitamente ao que restou dela nos nossos dias. E no entanto – aí é que está o busílis – Jabor converteu-se, com a passagem do tempo, com a trasição militares-Lula, no padroeiro da mesma classe que ele tanto criticou lá atrás. É como se ele dissesse hoje, como disse aquele outro tempos atrás, “esqueçam o que eu filmei”. (veja trecho do filme, abaixo)



Nada mais criticável do que o que sobrou da classe média tradicional – mas para ouvir essa crítica pela voz de Arnaldo Jabor, você precisa ver o filme que ele fez em mil novecentos e sessenta e tanto. Porque o Jabor terceira idade de hoje diz exatamente o contrário do que gritava o Jabor garotão dos tempos da contraculta brazuca. E o filme ainda traz outra surpresa: tirando a acomodação, a preguiça de quem não fez grande esforço para ter o que possui e o pouquíssimo caso com a situação do vizinho, aquela classe média sentada no seu apartamento de frente para o mar dos anos 1960 parece muito, em condições econômicas e dia a dia de café, almoço e janta com a nova Classe C que a história fez botar a cabeça na janela - embora ainda não de frente para o calçadão de Ipanema. Porque não convém mesmo idealizar o povão – respeito à parte. E aqui é um fenômeno que bate mais no lado humano da conversa do que na faceta sócio-econômica do painel. A nova Classe C é inquieta por natureza, mas o ser humano tem uma queda ascestral pela inércia. Convém estar atento.

Daí a importância de se abastecer a nova classe média de informação, educação formal mesmo, abrir seus olhos para o panorama inteiro em que está inscrita a sua tão demorada e até surpreendente ascensão. De outra maneira (e é alguém insuspeito quem nos ensina: Arnaldo Jabor, o próprio, embora o jovem e não o ancião da imprensa atual) esse segmento novinho em folha pode muito bem cair nas mãos  do que há de mais velho na política brasileira, virando de novo a velha opinião pública que o cineasta combatia quando era moço e hoje ajuda a compor com sua refinada velhice. Ah, sim, o filme é ótimo, compreendida a sua circunstância. O autor é que piorou muito.

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