quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Uma história sobre João




O dia começou com uma nota de falecimento - uma entre muitas nos últimos dias. Mas, no caso em questão aqui, de alguém apenas conhecido, distante, uma autoridade dos velhos tempos, uma referência da Natal dos anos 80.

Abri o jornal - digo, liguei o tablete que Rejane me deu e que não canso de alisar - e vejo, no site da velha TN de guerra, a notícia do enterro de João Ururahy. Lembrei imediatamente da pequena história que passo a contar.

Final dos anos 80, provavelmente já nos primórdios dos 90. Tinha saído da TN e estava há pouco tempo ainda na sigla "adversária", o DN. Não se se já era o Dia da Consciência Negra, mas era algo assim numa época em que tudo aquilo que hoje se empacota no rótulo "politicamente correto" (na verdade, uma forma chula de desqualificar algo necessário e justo) ainda nem sonhava em existir.

Margarete, nossa durona mas feminina chefe de reportagem, pede uma matéria sobre a data que, de alguma maneira, fazia referência à raça negra. Ouvir pessoas de destaque sobre o assunto. Esperavam artistas negros, poetas negros, professores negros, alguma coisa assim, pra capa do então caderno de variedades do Diário. Matutei, matutei e liguei pra figura negra de maior destaque então no estado: João Ururahy, que além de publicitário e empresário da área, era naquele momento chefe do gabinete civil do então governador Geraldo Melo. Liguei e perguntei a opinião dele sobre a data ou algo similar. Ele atendeu e respondeu, na maior gentileza (talvez não exatamente comigo, mas com o veículo que eu representava e que na época era o mais prestigiado do estado).

Sem constrangimentos, sem meias palavras, sem sofismas. Simples, assim. Quando entreguei a matéria, houve espanto na redação. Do tipo: "Mas você ligou pra ele? E ele comentou o que a gente pediu?"

Yes, no problema.
Hoje essa história pode parecer banal e insignificante.
Na época, não.

Alimentei dali por diante uma simpatia distante e sem expectativa pela figura de João Ururahy.  E aprendi que o desdém involuntário diante dos preconceitos estabelecidos é a mais saudável das ousadias. Você comete, e nem se dá conta. Com sorte, outros notam e fazem o mesmo.

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