terça-feira, 15 de novembro de 2011

O mundo é dos loquazes

Leio na revista Piauí que Lúcia Veríssimo aprecia muito quando o marido dá entrevistas. Diz ela que só assim tem a chance rara de saber o que ele está pensando. Claro que a Lúcia em questão não é a atriz famosa, mas a quase anônima mulher do escritor Luiz Fernando Veríssimo, esse sim a pessoa em questão aqui. Veríssimo, um ser humano que fala pelos cotovelos nos mil livros que publicou e publica, cada um mais interessante do que o outro, é um mudinho na vida real. Do tipo que não gosta de muita conversa. Do tipo cabreiro, que vive olhando a vida em volta mas guarda pra si as elaborações que essas visões lhe trazem. Veríssimo é o melhor exemplo de um tipo muito discriminado de gente, a "pessoa calada".

Quem não faz parte desse restrito e aparentemente inexpressivo grupo humano - uma gente que, por ter fama de falar pouquíssimo parece quase invisível no mundo loquaz em que vivemos - sofre tanto preconceito quanto as minorias, digamos, mais barulhentas. Gays, portadores de deficiência, negros, vadias e demais cruzamentos de todas esses agrupamentos têm por hábito botar a boca no trombone e, com isso, conseguem suas conquistas e diminuem o preconceito nem que seja no grito. Para os calados nada disso funciona: quanto mais discriminados, mais retraídos. Uma bolha de silêncio encobre este contingente humano pouco afeito às palavras - ao menos na forma primitiva, verbal, da boca pra fora - e faz com que, mais do que em qualquer outro caso, eles representem aquilo sobre o qual ninguém ousa falar. Nem eles mesmos, pra começar.

Faço parte desse grupo. Cansei de, adolescente, fazer longas viagens de carro de carona com pais ou parentes dos amigos, invariavelmente sendo chamado a "mudar de assunto" quando a viagem começava a parecer tão longa quanto meus silêncios. Calado passou a ser quase um xingamento - embora fosse apenas uma boa e representativa descrição da minha pessoa desde então. Mais à frente adquiri certa confiança que vem naturalmente com a idade e passei a falar um pouco mais quando havia pelo menos duas pessoas em volta (ou seja, em público), mas já era tarde demais: tinha ganhado a fama. E fama de calado é para sempre.

Talvez seja por isso que os calados escrevem tanto, ou pintam com avidez, ou produzem tanta música de qualidade ou, na ausência de qualquer talento artístico, tuitam tanto. É pra compensar a opressão dos loquazes, que não param de falar e não dão ouvidos a quem só consegue expressar via silêncio as ironias de um mundo que soa como auto-falante tocando bate-estaca.

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