segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O LIXO DE NATAL

   
Enquanto sobe o sol à flor do Velho Chico no sertão baiano e o dia se apresenta para mais uma jornada na estrada, uma imagem recorrente destes dias estraga o instagram engatilhado das férias. É o lixo de Natal, esta entidade do final de 2012 que parece estar em todos os lugares. Está em frente à prefeitura, está no ex-calçadão de Ponta Negra, está no JN, está no site de notícias. O Lixo de Natal virou quase uma autoridade, algo que se escreve com iniciais maiúsculas e que se deve cultuar como um patrimônio vívido e fétido das imprudências potiguares. Porque o Lixo de Natal é a realização mais material possível das conseqüências de atos coletivos praticados quatro anos atrás.
Por este critério, o Lixo de Natal precisa mesmo ser exposto, oferecido, imposto e reapresentado até o limite das nossas capacidades. É preciso que o cidadão comum sinta seu cheiro, que o comércio tropece nele em suas calçadas, que o empresário de turismo aspire cada molécula de fedor que ele espalha no ar. Porque todos esses – e muitos outros mais – contribuíram em momento diverso para iniciar o processo que daria origem ao estado atual das coisas. Nenhum lixo, por mais ordinário que seja – e o fato de ser ordinário é a mais pungente das prerrogativas do lixo, qualquer que seja ele – começa assim espetacular, em rede nacional e com insuportabilidade local: começa é com um reles montículo potencializado pelas forças que estão ao seu redor. Sabemos bem que forças são essas quando tratamos do nosso lixo político estadual e municipal.
Convém também lembrar que o Lixo de Natal, uma vez reinstituído em entidade pública de papel passado e mandato fixado, também se manifesta em outras áreas da cidade além de suas feições imediatamente políticas. E já que estamos todos torcendo para que se recolha em operação de emergência o Lixo de Natal antes que 2013 se inicie de fato, torçamos igualmente para que o caminhão da Urbana leve também nossa falta de ousadia, nossa preguiça mental, nossa babaquice deslumbrada, nosso interesse mesquinho, nossa imensa falta de auto-estima no bom sentido da coisa, que faz com que uns e outros insistam em nos chamar de província como a tentar uma forma intelectual de levitação acima do barbarismo geral do tempo e do lugar. Fora com o Lixo de Natal – o real, que desenfeita nossas ruas nesta transição 2012-2013, e aquele outro, que persiste no ar das nossas subjetividades mais escorregadias.
(Ibotirama, BA, 30-12-2012) 

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