quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Trilhas de "Thriller"




O disco é de 1982, mas aqui abaixo do Equador ele tornou-se um chiclete sonoro absoluto em 1984. Eu fazia o primeiro ano de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e até hoje os mais fragmentários ruídos sonoros contidos em "Thriller" me lembram as ruas do Recife. A avenida Conde da Boa Vista em condições bem melhores para uma caminhada do que hoje, o cine São Luiz exibindo futuros clássicos como "Era uma vez na América" (Sérgio Leone), a rua do Progresso ainda abrigando o casarão vizinho à Cultura Inglesa onde eu morava (foi demolido e no lugar foi construída uma clínica médica), a simpática rua da Soledade que me levava direto ao campus da Unicap, todos esses cenários ganham uma musicalidade pretérita que vai de Michael Jackson a Beth Carvalho, cujos sambas também fizeram muito sucesso no carnaval daquele 1984. 


Tantos anos depois, o caso do disco "Thriller" - o mais vendido da história da música; 109 milhões de cópias no mundo todo - é emblemático sobre fenômenos como mídia saturada, qualidade que se mantém, como se firma um clássico e o que apenas vira pó na estrada difusa da memória. Ocorre que o disco desse Michael Jackson mais musical do que perfomático foi executado à exaustão nas rádios, retratado até o limite do insuportável em capas de revistas, explorado até onde foi possível no lugar e da forma que desse. A gente esquece, mas houve uma "febre Michael Jackson" naquele 1984 que não fica nada abaixo de certa "gripe Michel Teló" de ocorrência recente. A diferença, claro, é a música (como diz o slogan de uma bela rádio brasiliense que toca quase exclusivamente temas instrumentais).



O fato é que em meados de 1984 ninguém mais aguentava ver e ouvir Michael Jackson. Ele e as faixas de seu "Thriller" estavam em todas as rádios, todas as esquinas, todos os canais de tevê, que ainda eram poucos mas nem por isso menos insistentes. O negócio era tão sério que uma capa do jornal "O Pasquim" - que ainda existia e circulava naqueles idos - estampou a seguinte manchete: "A bunda de Michael Jackson". O notável, o impressionante - mas compreensível quanto se limita tudo à música e à dança do artista - é que "Thriller" tenha sobrevivido a tudo isso e se tornado o disco pop-clássico que é hoje. Demorei a comprá-lo: depois de anos ouvindo as faixas gravadas em fitas k-7 dispersas, só fui adquirir um exemplar completo em formato de CD, de que posso usufruir a qualquer momento, longe da agonia publicista daqueles tempos. E constatar: como é enérgica a saga sonora da faixa título, encerrada com aquela gargalhada que virou um dos ícone dos anos 80; ou como é bom marcar no pé a batida de "Billie Jean" - que Caetano Veloso recriaria em roupas sonoras brasileiras num de seus discos extraídos de shows de voz e violão -; ou ainda cantorolar em inglês de baiano o dueto com Paul MacCartney em "The girl is mine". 


Na torrente comemorativa pelo aniversário de lançamento de "Thriller", o site da livraria Saraiva juntou uma série de videos feitos a partir do repertório do disco. Está lá um dos mais tocantes, incisivamente sensíveis, momentos de recriação das faixas que juntas viraram o "Thriller": é Miles Davis interpretando "Human Nature", com aquele trompete que parece estar realizando uma delicada cirurgia nos órgãos da sensibilidade do ouvinte, enquanto distende, amacia, penteia e expande o andamento da canção. O video é o oposto da velocidade ansiosa do videoclip da faixa título, mas juntas, a agilidade de uma e a serenidade da outra dão uma ideia de como um disco pode deixar de ser apenas um chiclete insuportável para se tornar parte da trilha sonora de uma época. Basta que seja bom - e isso nem sempre é fácil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário