quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Filmes tristes



Desde "Coração de luto", também amplamente conhecido como "Churrasquinho de mãe", um filme não me deixava tão triste, abatido, desesperançado. Não importa que, ao final de tantos desencontros, Luiz Gonzaga pai e Luiz Gonzaga filho acabem se entendendo. Encerrada a sessão, impõem-se as sombras do conflito, muito mais do que os clarões do desfecho. Não é que seja ruim, mas "Gonzaga - De pai para filho" é um dos filmes mais tristes dos últimos anos. 

Não é nem que seja melodramático - o que evidentemente ele é, e nem sempre isso é um defeito pra quem, como eu, é chegado ao gênero - mas a carga de infelicidade contida no novo Breno Silveira deixa (pelo menos pra mim; mas ouvi comentários semelhentes de desconhecidos ao deixar a sala) uma espécie de adesivo de sofrimento colado no juízo sentimental de quem o assistiu como poucas vezes acontece. O filme acaba na tela mas o mal estar lhe acompanha pelo resto do dia (pior pra mim que peguei a primeira sessão, às duas da tarde).

É como se "Gonzaga" fosse um melodrama aditivado, a um passo do desfalecimento puro e simples. Nem a participação muito especial de um cômico tarimbado como João Miguel, com aquela cara de nordestino pebado e metido numa enrascada de fazer o cabra se mijar de sufoco, consegue espanar tal  tristeza. Há por aí muito filme cabeça dotado também de uma angústia aniquiladora, coisa muito classuda e distanciada, mas este "Gonzaga" deixa qualquer um no chinelo: é quase sensorial em sua melancolia (e o uso desta palavra, juro, não é uma tentativa pura e simples de citação do filme de Lars Von Trier que eu nem vi; embora tenha visto um outro, também da leva dos filmes de chorar do cineasta nórdico, "Dançando no escuro", estrelado pela cantora pop Björk).

Não deixa de ser sintomático que, na enciclopédia dos filmes tristes brasileiros, este "Gonzaga" rime com ou me faça lembrar, de cara, aquele "Coração de luto": no antigo Teixeirinha, a dor vinha da perda da figura da mãe; neste é a ausência do pai, biológico ou não - não importa, a chave do filme se torce no final para demonstrar. É como se o diretor de "Dois filhos de Francisco" voltasse a assentar os tijolos de uma muralha chamada cinema-popular-sentimental-brasileiro que, a despeito do desprezo blasé de quem não liga mesmo para a comunicação direta com o povão, existe sim, é sólido e, embora fique esquecido durante décadas, quando reaparece demole com uma enxurrada de lágrimas os quebra-mares da mais avançadinha estética cinematográfica a se insinuar nas fitas brazucas.



Uma última nota sobre o filme (veja o trailer acima) vem, claro, da plateia: meus cabelos brancos nunca haviam se sentido tão jovens quanto no lugar onde se reuniram umas 40 pessoas para assistir ao filme sobre Gonzagão e Gonzaguinha. Foi a plateia mais, vá-lá, idosa que já vi na vida. Minto: a plateia de "Coração de luto" que lotava todas as sessões do velho cine Rex, em Parelhas-RN, provavelmente igualava com a deste filme recém-lançado - o que representa uma liga a mais entre as duas produções. Então: "Gonzaga - De pai pra filho" renova a - abaixa aí que lá vai um clichezão de arrepiar os cabelos - "linha evolutiva" do cinema popular brazileiro, atualizando para as plateias atuais o que "Coração de luto" representou. Dá até pra ir um pouquinho mais longe e dizer que se trata de um fenômeno de certo neotropicalismo bem apropriado ao Brasil atual que, enfim, começa a se aceitar como um país multifacetado (como queriam os tropicalistas antes de envelhecerem, certo, bem?). 

Mas tudo isso são elaborações a posteriori quase fúteis diante da tristeza do filme. Por mais que tente, não esqueço a frase que ouvi de uma espectadora ao final da sessão. Acompanhada pela mãe de seus 70 e tantos anos, não pude deixar de reparar quando ela comentou, na mesma sorveteria onde tentava, como eu, adoçar a alma após o amargo da exibição: "Ele (Gonzagão) nunca foi feliz. Teve sucesso mas não a felicidade". Poderia ser uma legenda inscrita no clip final que o filme exibe para mostrar a difícil mas afinal alcançada harmonia entre pai e filho no palco da música e da vida. 

No que este nordestino "Gonzaga" amazônico também estebelece laços com outro afluente do mesmo gênero do cinema popular brasileirão - os títulos de extração espírita. Pois "Gonzaga - De pai pra filho" consegue superar outro campeão de bilheteria, "Nosso lar", em sua saga de dor e sua teimosia em mostrar que, por mais difícil que seja, é irrenunciável a busca do entendimento entre gente desencontrada. A tristeza, diria o compositor quase citado ao longo deste texto, é senhora do filme. E os filmes populares brasileiros parecem cantar: "desde que o cinema é cinema é assim". 

*Abaixo, trecho do primeiro "Coração de luto", que teve uma refilmagem em cores alguns anos depois:



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