sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Antropologia pop do Pinta


Dizem que ele é um publicitário. Para outros, é um advogado. Não importa, todo mundo que tem um pouco de senso de humor, mora em Natal Citi e não teme esbarrar nas esquinas da cidade com um legítimo representante do baixo proletariado local – essa turma que ainda vai entrar para a nova Classe C mas que enquanto isso vai se divertindo como pode na cidade do sol – curte, no sentido lato e no sentido faceboquiano da palavra, a figura incomum e ao mesmo tempo comuníssima do Pinta Natalense.

O Pinta, pra quem lê este blogue em outras paragens urbanas como Brasília Citi e adjacências, é um personagem da capital do RN que habita o mundo do twitter com suas tiradas ultrapopulares, seu afiado verbo que colhe nas ruas a fina flor da sacanagem, seus torpedos incendiários que impedem o pessoal metido a chique que freqüenta a rede social de esquecer que em toda esquina de Natal tem um vendedor de CDs piratas pronto para lhe assaltar com sua lábia.

O homem, digo, o Pinta, já foi até motivo de reportagem de jornal, resguardando obviamente sua identidade secreta – que no fundo não interessa a ninguém e é imensamente menos importantes do que as presepadas verbais que ele apronta via twitter. Ou por outra: essa identidade interessa apenas na medida em que por trás delas pode estar alguém que absolutamente não faz parte da classe social em que o personagem se filia. Se for isso mesmo – há apenas suposições; de maneira que já dá o maior prestígios nas redes dizer que conhece a identidade secreta do Pinta – tem um aspecto que precisa ser ressaltado: a antissegregação que salva o país de se tornar um campo de guerra urbana permanente.
Ocorre que nada mais interessante do que um publicitário ou jornalista de classe média ser a mão por trás do Pinta (sem trocadilho, por favor): se assim for, estará provado que mesmo na classe média mais acomodada de Natal (diferente da de Brasília, mas também insuportável em certos momentos) há alguém que capta, entende, sintoniza e reproduz a fala do povão. Alguém que está interessado no que o povão está dizendo. E que não dá de ombros pra quem mora fora do muro do seu condomínio. E isso é o que pode confeir um mínimo de harmonia possível às cidades atuais: o diálogo entre classes, segmentos e as várias vertentes da vida urbana.

Mas a análise aqui está ficando pedante demais quando o assunto é algo ligeiro, divertido e aparentemente despretensioso como é o Pinta Natalense. E a gente encerra, como de costume, com o verdadeiro motivo da postagem: naquela noite com Rejane e Raísa no Consulado Bar, na rua das Virgens, coração noturno da Ribeira, bairro histórico e boêmio de Natal Citi, enquanto a banda de pop-rock-blues atacava seus hits, eis que aparece na janela, quem?, sim, ele mesmo, o Pinta Natalense.

Sim, senhor, um entre os muitos natalenses que podem ser o Pinta de verdade, o cidadão desprovido de direitos e premiado pelo destino com uma vasta coleção de gaiatices que habita cada canto de Natal, em especial o comércio das praias ou o burburinho do Alecrim, pra não falar na confusão da Cidade Alta. O cara – um guardador de carros que, animado pela boa música que vinha do bar sofisticadinho ao lado, largou o batente – chegou no janelão do Consulado, bem do lado da gente e começou a curtir, de fato e muito mais do que faceboquianamente a noite no estabelecimento. Dançou, sorriu, cantou, vibrou na janela – e muito mais do que o público pagante interno.  
Boné de Pinta Natalense, óculos rayban de Pinta Natalense, camiseta regata de Pinta Natalense, pele morena e grosseira de Pinta Natalense, cabelo carapinhado de Pinta Natalense, sorrisão de Pinta Natalense, enfim, animação de Pinta Natalense, não restava dúvida: ali estava “o” Pinta Natalense, esse anfitrião que a cidade de Poti oferece aos sisudos e branquelos  turitas paulistanos que aqui chegam em bandos a bordo dos pacotes da CVC prontinhos para se encantar com a espontaneidade local. Vai ver é por isso que esse pessoal volta maravilhado: Natal não é só a cidade do sol e do mar, das dunas e da carne de sol. É também, e principalmente, o país dos Pintas Natalenses, com sua lição de viver o momento. Um carpe diem apotiguaiado sem firulas de erudição.

Se a banda do bar em frente tocar um cover do Raul Seixas, aí então é a loucura: como aconteceu aquela noite no Consulado. O vocalista atacou de “quem não colírio usa óculos escuros”, no que pareceu uma homenagem àquele integrante do público que assistia ao show do lado de fora da janela, como quem via tevê no vizinho nos anos 70. O cantor, assim como o autor do perfil misterioso do twitter, captou a figura: foi lá na janela e pediu emprestado os óculos, que passou a usar no restante da apresentação. Diágolo entre pessoas, gente demolindo barreiras sociais tanto quanto isso seja possível. Pinta Natalense pode parecer só uma conta divertida na rede social – o que, de toda maneira, é – mas não o subestime: se você pensar bem trata-se de um fenômeno antropológico de tolerância urbana típico das capitais da costa nordestina.

O que é apenas uma maneira cientificamente aprovada de dizer que o Pinta Natalense é o máximo.

2 comentários:

  1. Af Maria! Ser pinta natalense é a coisa que dá maior orgulho a quem se sente fazendo parte dessa nação!! Apesar de ter nascido no Seridó fui forjada no Pitimbú, na UFRN (lá tem muito pinta) e na Cidade Alta e garanto Tião, sou uma legítima pinta natalense. Tem coisa melhor nessa vida!? Ser pinta natalense é ser livre, é gostar de Grafitte, de MC Priguissa, é freqüentar a noite na Ribeira, comer tapioca com ginga, é pular nos Cão da Redinha e chamar os amigos de "Reis". Tem coisa melhor não!! O Pinta natalense é o nosso maior orgulho.

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  2. Parabéns! Sou da área de Turismo e fico feliz com um texto tão espontâneo e verdadeiro como este.

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