quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

4.6




Quatro ponto seis deve ser como um motor cansado, mas tranqüilo. Uma máquina engrenada mas já prejudicada em dispositivos laterais como a visão física. Uma composição de carga que foi deixando os secos e molhados pelas estações enquanto aprendia a adquirir a leveza do vazio. Um caminhão veloz, embora pesado. Um carrossel francês de um filme em branco e preto que fica muito bem quando aparece num filme novinho em 3D. Um navio de cruzeiro quando todos os turistas barulhentos dormem – e sem risco de naufrágio por artes de afoitezas de comandante noviço. A parte mais espessa da fumaça que a esquadrilha de aviões deixa no ar, com a sabedoria e o desprendimento de sumir quando mais a multidão cá embaixo tenta enxergá-la melhor.

Quatro ponto seis deve ser como reaprender a andar de bicicleta sem medo de estourar a unha do dedão do pé ainda em definição. Como mergulhar em antigos vídeos da tevê a lenha no YouTube e voltar se sentindo completo como uma tela de alta definição da Sony. Como reunir a família e anunciar que vai largar o emprego pra dar uma volta ao mundo, sem a menor chance de isso acontecer – só pra ver as reações a uma pilhéria de quarentão a caminho dos cinquentinha. Deve ser como se sentir o eterno cozinheiro daquela Madeleine proustiana que você incorpora ao cardápio de imagens mesmo sem ter lido a série de livros. Como descobrir uma Madeleine por hora em sabor, cheiro, visão e audição – como passar a conviver muito mais intensamente com a sensação de deja vu que, segundo Matrix, nada mais é do que o sistema se traindo.

Quatro ponto seis deve ser como um choro de Paulinho da Viola tocando por dentro do corpo, usando as câmaras do pulmão como viola e os antebraços como cordas. Deve ser como ser um brinquedo antigo, desbotado e mesmo assim querido, aquela testemunha tão muda quanto lírica de um tempo que passeia sobre a sua baça pessoa. Quatro ponto seis deve ser um baita poema de Drummond, desses  que a gente decora quando tem 20 e poucos anos e nunca mais esquece, o das coisas findas, que muito mais que lindas, essas ficarão. Deve ser como calmo e quente como uma enseada nordestina; pungente e tocante como uma valsa de Edu e Chico, simples como uma jangada, triste como Portugal, feliz e apascentado como um rio no instante vasto em que se faz estuário. Vamos ver, de amanhã em diante, como é mesmo essa qualidade de viver em escala quatro ponto seis. Vamos ver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário