segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CALDINHO DE FORTALEZA


 

A  capital de José de Alencar, urbe da índia Iracema, sucursal política dos Gomes, é um braseiro seco adornado por um verde mar. Quente, de uma qualidade de calor como não ser vê naquela parte do Nordeste que, junta, compõe o país RN-Paraíba-Pernambuco. Deve ser o vento atravessado – que não venta, de fato, na avenida à beira-mar – decorrente da posição geográfica que transmuda os habituais litorais norte-sul em leste-oeste.

O fato é que Fortaleza queima a pele e aspira a umidade, mesmo sendo o portal do Atlântico que também é. Soa estranho demais para a gente encontrar palavras. Quem sabe relendo Alencar – este primeiro autor verdadeiramente brasileiro, segundo nos vem nos alertando há tempos Ariano Suassuna, em contraponto ao domínio carioca de Machado, sem tirar, obviamente, os méritos deste último, que não são poucos.

Mas o calor seco de Fortaleza – que, comparação por comparação, lembra o de Brasília entre setembro e  novembro; mas aqui não tem mar, coração! – não é coisa de literatura. É vero, e só lhe dá um refresco, tão estranhamente quando a falta de vento nas praias urbanas, quando você está lá no alto da cidade, na agradável Praça do Ferreira. Quer se ventilar? Suba. Quer se fritar? Desça. Mas derreter não dá: embora a cidade conte com uma igreja gótica perfeita como ilustração daquele ditado sobre “o calor de derreter catedral”, a bela Notre Dame local, que não faria feio diante de nenhum corcunda, está livre deste risco. Porque não existe suor em Fortaleza, e sem essa substância que corre abundante nas peles que habitam ou visitam Natal, João Pessoa ou Recife, criatura alguma – sobretudo catedrais – é capaz de derreter frente ao calor ambiente.

Por fim, o cearense: a ele nada disso incomoda. E novamente ao contrário do cidadão de Natal, João Pessoa ou Recife, ele tá nem aí pra ar refrigerado. Não há, e por vontade própria, muitos “ambientes climatizados” em Fortaleza. No hotel, tomávamos café em temperatura ambiente – quase a do próprio café sorvido; de maneira que não dava nem pra se refrescar queimando a língua de propósito. Tudo bem que era um hotel temático, emulação dos anos 30 – mas não precisava exagerar. Disse a nossa guia amiga local Regina Luna que parte do específico calor local vem do fato de a cidade ser muito asfaltada – faltam os aprazíveis calçamentos de pedra de Natal (tá vendo, Natal? E vocês aí sempre se diminuindo diante do mundo...).

Certo mesmo é que o pessoal do Ceará não gosta de ar condicionado – nem os taxistas, acredite – e, quando usa, é numa potência bem baixinha. Entrar no quarto do hotel exigia uma espécie de despressurização da cabine aplicada à temperatura: só uma meia hora depois de trancado lá dentro é que o aparelho começava a fazer algum efeito.

Mais: calorento e bem resolvido, o cearense tem um defeitinho quase imperceptível – para eles, não para os visitantes: uma certa mania de soar o tempo inteiro como humorista. Precisa não: basta ser natural. Mas o pessoal força um pouco a barra – sobretudo guias turísticos e motoristas de táxis. Esses, em qualquer lugar aonde se vá, sabe-se: são os resmungões de sempre, juízes do mundo, palmatórias das misérias alheias. Agora você misture isso com um desejo não realizado de ser – mais um – humorista no pedaço e terá uma ideia.

Encontramos um que tentou tanto nos agradar insultando Lula – essa praga que se abateu sobre o país e daí pra frente – que não fosse o bigodinho extemporâneo  eu teria confundido facilmente com aquele menino, Diogo Maynard. Mas esse taxista, pelo menos, era avesso ao calor e ligou o ar condicionado no máximo – o máximo deles lá. Dizia que veio do sertão e já tinha passado calor demais na vida para andar em temperatura ambiente. Eu falei que a fixação no humor era uma constante. E Fortaleza, naturalmente cheia de graça, nem precisa apelar. 

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