O fato é que
Fortaleza queima a pele e aspira a umidade, mesmo sendo o portal do Atlântico
que também é. Soa estranho demais para a gente encontrar palavras. Quem sabe
relendo Alencar – este primeiro autor verdadeiramente brasileiro, segundo nos
vem nos alertando há tempos Ariano Suassuna, em contraponto ao domínio carioca
de Machado, sem tirar, obviamente, os méritos deste último, que não são poucos.
Mas o calor
seco de Fortaleza – que, comparação por comparação, lembra o de Brasília entre
setembro e novembro; mas aqui não tem
mar, coração! – não é coisa de literatura. É vero, e só lhe dá um refresco, tão
estranhamente quando a falta de vento nas praias urbanas, quando você está lá
no alto da cidade, na agradável Praça do Ferreira. Quer se ventilar? Suba. Quer
se fritar? Desça. Mas derreter não dá: embora a cidade conte com uma igreja gótica
perfeita como ilustração daquele ditado sobre “o calor de derreter catedral”, a
bela Notre Dame local, que não faria feio diante de nenhum corcunda, está livre
deste risco. Porque não existe suor em Fortaleza, e sem essa substância que
corre abundante nas peles que habitam ou visitam Natal, João Pessoa ou Recife,
criatura alguma – sobretudo catedrais – é capaz de derreter frente ao calor
ambiente.
Por fim, o
cearense: a ele nada disso incomoda. E novamente ao contrário do cidadão de
Natal, João Pessoa ou Recife, ele tá nem aí pra ar refrigerado. Não há, e por
vontade própria, muitos “ambientes climatizados” em Fortaleza. No hotel,
tomávamos café em temperatura ambiente – quase a do próprio café sorvido; de
maneira que não dava nem pra se refrescar queimando a língua de propósito. Tudo
bem que era um hotel temático, emulação dos anos 30 – mas não precisava exagerar.
Disse a nossa guia amiga local Regina Luna que parte do específico calor local
vem do fato de a cidade ser muito asfaltada – faltam os aprazíveis calçamentos
de pedra de Natal (tá vendo, Natal? E vocês aí sempre se diminuindo diante do
mundo...).
Certo mesmo
é que o pessoal do Ceará não gosta de ar condicionado – nem os taxistas,
acredite – e, quando usa, é numa potência bem baixinha. Entrar no quarto do
hotel exigia uma espécie de despressurização da cabine aplicada à temperatura:
só uma meia hora depois de trancado lá dentro é que o aparelho começava a fazer
algum efeito.
Mais:
calorento e bem resolvido, o cearense tem um defeitinho quase imperceptível –
para eles, não para os visitantes: uma certa mania de soar o tempo inteiro como
humorista. Precisa não: basta ser natural. Mas o pessoal força um pouco a barra
– sobretudo guias turísticos e motoristas de táxis. Esses, em qualquer lugar aonde
se vá, sabe-se: são os resmungões de sempre, juízes do mundo, palmatórias das
misérias alheias. Agora você misture isso com um desejo não realizado de ser –
mais um – humorista no pedaço e terá uma ideia.
Encontramos
um que tentou tanto nos agradar insultando Lula – essa praga que se abateu
sobre o país e daí pra frente – que não fosse o bigodinho extemporâneo eu teria confundido facilmente com aquele
menino, Diogo Maynard. Mas esse taxista, pelo menos, era avesso ao calor e
ligou o ar condicionado no máximo – o máximo deles lá. Dizia que veio do sertão
e já tinha passado calor demais na vida para andar em temperatura ambiente. Eu falei
que a fixação no humor era uma constante. E Fortaleza, naturalmente cheia de
graça, nem precisa apelar.
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