terça-feira, 31 de julho de 2012

A pastoral da prefeita


Micarla de Souza, prefeita de Natal, é o oposto de Lula, aquele outro: sua impopularidade nunca consegue ser menor que 90%. É um caso clássico de alguém que vai não do zero ao cem, mas do cem ao zero – convém nunca esquecer que a garota foi eleita para comandar a capital potiguar num surto de celebridade aguda que assaltou a cidade quase toda num primeiro turno de péssima memória. Hoje, se você virar para a primeira pessoa que encontrar na cidade e perguntar em quem ela votou pra prefeito na última eleição, quase todo mundo vai dizer que não lembra, vai comentar o clima, vai escolher um buraco entre tantos para reclamar do descaso, essas trivialidades. Mas nada disso é novidade – incluindo a vertiginosa queda nos índices de simpatia angariados ou não pela prefeita em final de mandato. A novidade é o óbvio: Micarla vai trocar a política pela religião. Sai a prefeita, entra a pastora Micarla. No caso dela, soa coerente, natural, inevitável.
Mas vamos por parte: admito que simpatizei com Micarla quando ela, no meio do mandato e já adernando no quesito aprovação, exibiu-se aos jornalistas sendo batizada num ritual evangélico. Foi um festival de reprimendas, um banho de reprovação elegante, um afogamento de críticas. Todo mundo achou o fim da picada a borboleta se molhar nas águas mais que populistas dos ramos religiosos evangélicos para tentar salvar o que restava de sua imagem ressecada pela inoperância. O próprio ritual, com sua liturgia meio antigo testamento, soava desagradável para uma cidade onde o cartaz é o sol, o mar, o turismo pop sem aparentes ranços medievais. Pois me deu dó: lembrei da forma empolada e ritual – mais de um ritualismo diverso, de outro tipo de veneração – que a gente cansou de ver nos jornais locais quando, por exemplo, Vilma Maia ia a uma missa especial na nova catedral. Soava distinto, elegante, correto. Vilma, Gari, Henrique, Agripino, Geraldo Melo ou quem seja ganhavam uns pontinhos a mais na reputação quando submetiam sua popularidade política a uma horinha diante do arcebispo em vigor. Ninguém achava brega, tosco, ridículo.
Mas eu vou lhe dizer: como é difícil defender Micarla! Porque agora, justamente nesse instantinho em que ela capturou minha simpatia, ainda que apenas por comparação com os demais políticos do estado (fora, que eu saiba, Fernando Mineiro, que sabe polir sua antipatia aparente como ninguém; e neste ponto está muito certo ele), vem a notícia de que pretende, uma vez longe da prefeitura (ufa) trazer pra Natal um novo ramo evangélico. Tomara que dê muito trabalho e ela não tenha tempo pra mais nada. Mas se o critério para aquilatar por antecipação o número de seguidores for o da política, vai ser difícil. Só resta um consolo para a futura ex-prefeita de desevangélica memória: a triste mas realista análise feita por Ciro Gomes (calma, que a conexão se restabelece já já) numa entrevista que vi noite dessas na TV União, lá deles. Disse Ciro, daquela maneira incidental mas sempre enfática com que constrói seus raciocínios, que infelizmente parte do povo está canalizando para as igrejas evangélicas uma expectativa de melhoria de vida e de reorganização social que pertence, por natureza, à política. Política no sentido amplo e não no desprezível que, no lugar de resultar em crítica como aparentemente se pretende, ao fim e ao cabo termina em anulação da cidadania feita em nível consciente por quem precisa disso ou em escala de otário pra quem acha que está abafando. E foi pensando que estava abafando que mais de 60 por cento dos natalenses elegeram a futura pastora Micarla para “tomar conta de Natal”, só pra usar uma expressão bem apropriada a quem pensa política de um jeito que não faz justiça à completa acepção da palavra.

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