terça-feira, 8 de maio de 2012

SOS jornalismo!



A julgar pela manchete da edição de hoje, o jornal “Correio Braziliense” está seriamente empenhado em tomar o eventual lugar que a revista “Veja” deixe desocupado ao final desse processo de perda de credibilidade em que a publicação da editora Abril vai se afundando. O jornal que chegou aqui em casa hoje traz o seguinte destaque principal na sua primeira página: “Uma bolsa sob medida para o PT nas eleições”.  A notícia (que o jornal “O Globo”, só por efeito de comparação, deu numa mera nota de coluna na página 2 desse domingo) é sobre o lançamento do tal “Brasil Carinhoso” que vai reforçar ainda mais a política compensatória – e, por outra via, econômica mesmo, disse se falará mais adiante – de redistribuição de renda por meio do auxílio financeiro direto. O anúncio será feito a dois meses da eleição  municipal, daí a ilação editorial feita pelo Correio, que não é bem aqui o objeto da contestação.

A questão é o ódio antipetista que o fato de alçar tal notícia a manchete e com tamanha carga de rancor editorial (muito além do caráter, vá lá, “fiscalizatório” da imprensa quase sempre exercido com seletividade constrangedora) demonstra. Jamais vi – trabalhei no Correio e durante boa parte do tempo exatamente como redator desta mesmíssima primeira página – tamanha fúria fiscalizatória quando o PSDB estava no poder. Não lembro de o jornal investir de tal maneira, destacando o partido governista em particular com semelhante ênfase manifesta e latente ressentimento subtendido. Entendo que a grande parte do público leitor do Correio esta manchete causa um infeliz contentamento: é o vasto círculo de assinantes que compõem a classe média estabelecida de Brasília (uma classe que até a era Cristovam era petista de brigar na rua com cabos de bandeiras vermelhas contra as azuis de Roriz, veja a ironia) que tem completa ojeriza a qualquer forma de bolsa, compensação, cota e similares. Mesmo assim, botando na balança qualquer forma de adulação mútua entre editores e leitores, a manchete é um exagero que merece repúdio. Só se explica, repito, caso o “Correio” esteja com inveja da belicosidade editorial da “Veja”. Por que não recontratam logo para redator o tal Policarpo, que também já passou por lá?

Abre-se o jornal e na página 4 a colunista Denise Rothenburg mal consegue conter suas simpatias tucanas ao analisar o noticiário político de Brasília. Aqui é necessário um parênteses: é bom que os jornais, sobretudo o jornalismo impresso, contenha profissionais que naturalmente nutrem as mais variadas simpatias político-partidárias, até o ponto, igualmente natural, de saber administrá-las. Eu, por exemplo, que nunca tive sequer espaço para manifestar com destaque minhas simpatias idiossincráticas, sempre fui muito cioso de não estar fazendo isso sem pensar ao editar reportagens feitas pelos colegas. Faço isso diariamente como editor do telejornal da TV Câmara, onde trabalho. No caso do colunismo de jornal impresso, espera-se naturalmente uma análise. E concorda-se, num pacto informal entre leitor e jornalista, que este tenha uma afinidade maior com tal ou qual tendência ou partido. Se o jornal que o publica tem a saudável política de publicar também outros jornalistas com visões diversas daquele, está tudo no equilíbrio, na paz. O “Correio”, por exemplo, publica análises de Marcos Coimbra que eu aprecio muito mais. A questão aqui é quando o jornalista deseja vender para o leitor uma análise que é muito mais decorrente de suas afeições do que da configuração geral do país que deveria ser seu objeto de análise.

Sem mais circunvoluções: ao falar sobre o contentamento no Palácio do Planalto pela eleição do socialista François Hollande na França, a colunista empurra texto adentro, como se fora algo de senso comum (mas é assim, dessa forma aparentemente casual, que muitas vezes se forja o senso comum desejado) o comentário de que é errada a comparação entre o momento que a França vive agora com Hollande e o que o Brasil viveu em 2002 com a chegada de Lula ao poder. Por quê? Ora, porque segundo a analista, Lula não alterou as bases da política econômica de Fernando Henrique. Pois eu e milhares de milhares de brasileiros dotado de um mínimo de inteligência não dirigida pela grande imprensa e de uma porção qualquer de sensibilidade social discordamos: pra nós, tomar o caminho da redistribuição de renda, usar as tão renegadas bolsas em dinheiro como forma de movimentar a economia de regiões esquecidas na era tucana como o Nordeste, elevar o salário mínimo a patamares condizentes com o amplo espectro de bolsos brasileiros que dele dependem são sim, POLÍTICAS ECONÔMICAS. Reinstituir diretrizes mínimas de Estado onde antes só tinha vez a lógica absoluta do mercado é sim política econômica.  Se o jornalista acha que política econômica se resume à ata da reunião do Banco Central ele está viciado em números, acomodado nos gabinetes, intoxicado por uma ordem – a neoliberal dos anos 90 – que há muito deu sinais de enfado, pra dizer o mínimo. A economia, jornalista, realiza-se na realidade das ruas, do comércio, da renda que vai e vem, do saque que o aposentado faz no caixa eletrônico que acabou de ser instalado, do incremento que muda a realidade de cidades antes pouco mais que estagnadas. Esse é um paradigma que ninguém quer quebrar – e nisso a jornalista Denise Rothenburg, como muitos de seus colegas que parecem mal conseguir conter o entusiasmo diante da mera lembrança da era FHC, não está sozinha. É geral essa dificuldade, pra não dizer teimosia.

A cereja no bolo dessa leitura do “Correio” de hoje está ainda na coluna de Denise Rothenburg. É preciso transcrever a sentença para que não pareça que estou aqui torcendo as palavras da jornalista: “O que o governo brasileiro espera de Hollande é que ele tenha a mesma sorte para poder servir de inspiração a outros países europeus”. Semântica é tudo: repare na palavra escolhida: sorte. Foi, na análise final da jornalista, o que Lula teve. Mérito, nenhum. Sensibilidade social de entender as carências e desigualdades do Brasil, nada. Inteligência financeira para perceber que a saída poderia estar no mercado interno e no exercício da soberania no plano externo, necas. Lula teve... sorte. É assim que um jornalista que não consegue controlar sua simpatia tucana (e aqui deixo clara a minha simpatia petista) analisa um  governo como o anterior que, em muitas e muitas faces, continua no atual. É assim que um jornal se desconecta da realidade, ainda que alimente com migalhas apetitosas de  rancor partidário e preconceito social os leitores que mantém, como fez na manchete desta terça-feira, 8 de maio.  

Ao final da leitura, vi reforçado o meu desejo inicial que surgiu só de bater o olho na manchete: cancelar minha assinatura. Não posso fazer isso por questão contratual – paguei pelo pacote anual. E também não devo por questões profissionais: meio servidor público e meio jornalista, condição de que muito me orgulho no meu modesto posto de trabalho na redação da TV Câmara, infelizmente preciso estar a par da maneira como os colegas que tantas vezes me julgam chapa branca exercem o jornalismo chapa cinza, aquele que coloca uma nuvem de fumaça entre a realidade e o interior das redações.

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