A julgar pela manchete da edição de hoje, o jornal “Correio
Braziliense” está seriamente empenhado em tomar o eventual lugar que a revista “Veja”
deixe desocupado ao final desse processo de perda de credibilidade em que a
publicação da editora Abril vai se afundando. O jornal que chegou aqui em casa
hoje traz o seguinte destaque principal na sua primeira página: “Uma bolsa sob
medida para o PT nas eleições”. A
notícia (que o jornal “O Globo”, só por efeito de comparação, deu numa mera
nota de coluna na página 2 desse domingo) é sobre o lançamento do tal “Brasil
Carinhoso” que vai reforçar ainda mais a política compensatória – e, por outra
via, econômica mesmo, disse se falará mais adiante – de redistribuição de renda
por meio do auxílio financeiro direto. O anúncio será feito a dois meses da
eleição municipal, daí a ilação
editorial feita pelo Correio, que não é bem aqui o objeto da contestação.
A questão é o ódio antipetista que o fato de alçar tal
notícia a manchete e com tamanha carga de rancor editorial (muito além do
caráter, vá lá, “fiscalizatório” da imprensa quase sempre exercido com
seletividade constrangedora) demonstra. Jamais vi – trabalhei no Correio e
durante boa parte do tempo exatamente como redator desta mesmíssima primeira
página – tamanha fúria fiscalizatória quando o PSDB estava no poder. Não lembro
de o jornal investir de tal maneira, destacando o partido governista em
particular com semelhante ênfase manifesta e latente ressentimento subtendido. Entendo
que a grande parte do público leitor do Correio esta manchete causa um infeliz
contentamento: é o vasto círculo de assinantes que compõem a classe média
estabelecida de Brasília (uma classe que até a era Cristovam era petista de
brigar na rua com cabos de bandeiras vermelhas contra as azuis de Roriz, veja a
ironia) que tem completa ojeriza a qualquer forma de bolsa, compensação, cota e
similares. Mesmo assim, botando na balança qualquer forma de adulação mútua entre
editores e leitores, a manchete é um exagero que merece repúdio. Só se explica,
repito, caso o “Correio” esteja com inveja da belicosidade editorial da “Veja”.
Por que não recontratam logo para redator o tal Policarpo, que também já passou
por lá?
Abre-se o jornal e na página 4 a colunista Denise Rothenburg
mal consegue conter suas simpatias tucanas ao analisar o noticiário político de
Brasília. Aqui é necessário um parênteses: é bom que os jornais, sobretudo o
jornalismo impresso, contenha profissionais que naturalmente nutrem as mais
variadas simpatias político-partidárias, até o ponto, igualmente natural, de saber
administrá-las. Eu, por exemplo, que nunca tive sequer espaço para manifestar
com destaque minhas simpatias idiossincráticas, sempre fui muito cioso de não
estar fazendo isso sem pensar ao editar reportagens feitas pelos colegas. Faço
isso diariamente como editor do telejornal da TV Câmara, onde trabalho. No caso
do colunismo de jornal impresso, espera-se naturalmente uma análise. E
concorda-se, num pacto informal entre leitor e jornalista, que este tenha uma
afinidade maior com tal ou qual tendência ou partido. Se o jornal que o publica
tem a saudável política de publicar também outros jornalistas com visões
diversas daquele, está tudo no equilíbrio, na paz. O “Correio”, por exemplo,
publica análises de Marcos Coimbra que eu aprecio muito mais. A questão aqui é
quando o jornalista deseja vender para o leitor uma análise que é muito mais
decorrente de suas afeições do que da configuração geral do país que deveria
ser seu objeto de análise.
Sem mais circunvoluções: ao falar sobre o contentamento no
Palácio do Planalto pela eleição do socialista François Hollande na França, a
colunista empurra texto adentro, como se fora algo de senso comum (mas é assim,
dessa forma aparentemente casual, que muitas vezes se forja o senso comum
desejado) o comentário de que é errada a comparação entre o momento que a
França vive agora com Hollande e o que o Brasil viveu em 2002 com a chegada de
Lula ao poder. Por quê? Ora, porque segundo a analista, Lula não alterou as
bases da política econômica de Fernando Henrique. Pois eu e milhares de
milhares de brasileiros dotado de um mínimo de inteligência não dirigida pela
grande imprensa e de uma porção qualquer de sensibilidade social discordamos:
pra nós, tomar o caminho da redistribuição de renda, usar as tão renegadas
bolsas em dinheiro como forma de movimentar a economia de regiões esquecidas na
era tucana como o Nordeste, elevar o salário mínimo a patamares condizentes com
o amplo espectro de bolsos brasileiros que dele dependem são sim, POLÍTICAS
ECONÔMICAS. Reinstituir diretrizes mínimas de Estado onde antes só tinha vez a lógica
absoluta do mercado é sim política econômica.
Se o jornalista acha que política econômica se resume à ata da reunião
do Banco Central ele está viciado em números, acomodado nos gabinetes,
intoxicado por uma ordem – a neoliberal dos anos 90 – que há muito deu sinais
de enfado, pra dizer o mínimo. A economia, jornalista, realiza-se na realidade
das ruas, do comércio, da renda que vai e vem, do saque que o aposentado faz no
caixa eletrônico que acabou de ser instalado, do incremento que muda a
realidade de cidades antes pouco mais que estagnadas. Esse é um paradigma que
ninguém quer quebrar – e nisso a jornalista Denise Rothenburg, como muitos de seus
colegas que parecem mal conseguir conter o entusiasmo diante da mera lembrança
da era FHC, não está sozinha. É geral essa dificuldade, pra não dizer teimosia.
A cereja no bolo dessa leitura do “Correio” de hoje está
ainda na coluna de Denise Rothenburg. É preciso transcrever a sentença para que
não pareça que estou aqui torcendo as palavras da jornalista: “O que o governo
brasileiro espera de Hollande é que ele tenha a mesma sorte para poder servir
de inspiração a outros países europeus”. Semântica é tudo: repare na palavra
escolhida: sorte. Foi, na análise final da jornalista, o que Lula teve. Mérito,
nenhum. Sensibilidade social de entender as carências e desigualdades do
Brasil, nada. Inteligência financeira para perceber que a saída poderia estar
no mercado interno e no exercício da soberania no plano externo, necas. Lula
teve... sorte. É assim que um jornalista que não consegue controlar sua
simpatia tucana (e aqui deixo clara a minha simpatia petista) analisa um governo como o anterior que, em muitas e
muitas faces, continua no atual. É assim que um jornal se desconecta da
realidade, ainda que alimente com migalhas apetitosas de rancor partidário e preconceito social os
leitores que mantém, como fez na manchete desta terça-feira, 8 de maio.
Ao final da leitura, vi reforçado o meu desejo inicial que
surgiu só de bater o olho na manchete: cancelar minha assinatura. Não posso
fazer isso por questão contratual – paguei pelo pacote anual. E também não devo
por questões profissionais: meio servidor público e meio jornalista, condição
de que muito me orgulho no meu modesto posto de trabalho na redação da TV
Câmara, infelizmente preciso estar a par da maneira como os colegas que tantas
vezes me julgam chapa branca exercem o jornalismo chapa cinza, aquele que
coloca uma nuvem de fumaça entre a realidade e o interior das redações.
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