Há quanto tempo o amigo não assiste a um filme com milhares
de figurantes espalhados por todos os cantos da tela? Ok, não vale citar
Christopher Nolan, pois que senão a ideia aqui vai toda por água abaixo – sobre
esse moço aí a gente fala mais à frente. O assunto agora é mais para trás, bem
para trás. Pense numa tela absurdamente grande, numa projeção lavada e cheia de
bolor, num elenco estelar da era em que astros e estrelas ainda eram
misteriosamente inacessíveis e complete com... justamente, uma legião de figurantes
de verdade, corpo, alma, sangue e suor. Nada de efeito multiplicador das novas tecnologias.
Estamos no tempo dos filmes épicos. Uma época em que a
maior tecnologia com que um diretor de um mastodonte em imagem e som desses
podia contar era um reles megafone – pra bradar aos quatro ventos e fazer funcionar aquela balbúrdia de judeus em êxodo, ou soldados romanos, ou
ainda indianos miseráveis – desde quando indiano em filme épico pode
reivindicar alguma respeitabilidade? Isso aqui é porque eu acabei de ver, pela
primeira vez com o meu famoso atraso regulamentar, o espetacular,
megalômano e ambicioso “El Cid”, um
épico com quem eu estava em dívida há séculos.
Esta semana, achei uma copia num sebo – de tão gigantescos,
coitados, hoje os pletóricos épicos de outrora se escondem, meio envergonhados,
em prateleiras de DVDs promocionais nos sebos mais recônditos da cidade, pra
ver o que é a vida. Há pouquíssimos épicos dignos do nome na Netflix, por
exemplo. Paguei a merreca habitual e levei o DVD pra casa, numa sacolinha de
plástico, aquilo que num passado nem tão remoto assim tinha um peso de ouro e
mal cabia nas telas de todo os cinemas disponíveis, dado não só a amplidão do
formato, aquele cinemascope “in tecnicholor” que nas mãos do músico potiguar Babal virou
uma bela canção, mas também à própria pretensão.
Porque épico digno do nome é, no mínimo, o máximo. Se não
for pelo menos pretensioso, não vale. Ainda que fracasse na bilheteria – mas há
fracassos que, convenhamos, são um sucesso. Vide “A queda do império romano”, o
último de uma linha de filmes sobre aquele pessoal de sandália no pé, sainha na
cintura e uma ideia permanente de guerra na cabeça que rendeu muitos épicos. Nunca esquecerei da noite
quase inteira que varei hipnotizado diante de uma TV em branco e preto assistindo
a “Quo Vadis” pela primeira vez, no desconforto dos bancos de um salão de um
colégio interno. Como também tenho gravada na memória afetiva a dureza que foi
assistir a “Passagem para a Índia” no grande salão que era o Cine Rio Grande,
no centro de Natal – um cinema tão confiante em si mesmo que se permitia ter
cobogós nas paredes, mesmo situado ao lado de uma avenida com um trânsito bem
barulhento. Você comprava sua passagem para a Índia, testemunhava todo aquele
conflito gerado pelo choque cultural e psicanalítico entre uma burguesa
britânica e um rapaz indiano tendo como trilha sonora adicional o zum-zum-zum dos
ônibus lotados na avenida ao lado. Pensando bem, não deixava de ser bem
indiano. Duro devia ser quando passavam um drama de Bergman.
Ah, sim, sobre Christopher Nolan que, para quem não ligou o
épico – digo, o nome – à pessoa é esse novo cineasta que vem causando furor
entre os críticos mais exigentes. Ainda não me convenci que ele seja o “novo”
Stanley Kubrick. Admito que o cinema dele procura fugir da média do cinemão atual sem
sair de dentro do star system. Mas o cara está aqui porque é sabido que se nega
a duplicar e quadruplicar figurantes eletronicamente em seus filmes. Tem que
ser gente de carne, osso, mandíbula e saco cheio quando a filmagem demora
demais, assim como acontecia com os antigos.
E foi isso o que fez em “Dunkirk”, seu mais recente e
elogiado filme, que mostra o difícil resgate de soldados britânicos cercados numa
praia por alemães durante a II Guerra Mundial. Vi no cinema, mas pretendo rever
em casa – porque o filme, digamos assim um épico mais contido, se é que isso é
possível, pareceu-me no cinema um exercício brilhante de uso das técnicas
cinematográfica até o ponto onde elas suportam serem exercitadas. Incrível, mas
a emoção, pra mim, foi-se embora na bacia de água suja que Nolan jogou fora pra
atingir seu objetivo. E para um épico, mesmo um épico que não quer assumir plenamente
sua condição como parece ser o caso de “Dunkirk”, não basta reunir a população
do Canadá – excluídos os imigrantes – na locação. É preciso que esse povo todo
faça a gente se emocionar sem se dar conta de que está chorando no meio de uma
multidão.
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