terça-feira, 18 de junho de 2013

O protesto, a política e o consumo




Abaixo, trecho de entrevista do professor José Garcez Ghirardhi, publicado no caderno "Aliás" do Estadão desse domingo. É a avaliação que mais se aproxima do que penso sobre a onda de protestos. A mim, ao contrário de muita gente, as manifestações - mesmo pacíficas, não é este o ponto; e não acredito que ninguém em sã consciência seja favorável a repressão policial - inspiram mais apreensão do que entusiasmo. Ainda acredito, apesar de tudo, na democracia representativa (consciente de que ela é limitada), no exercício dos três poderes, na institucionalização que a cidadania precisa ter, na tolerância e na ponderação. E, diante dos primeiros protestos, minha primeira impressão era de que, por mais legítimo que seja o grito pró-educação e saúde pública, há aí um modismo avassalador - e tão mais potente quanto mais antipático passa a parecer qualquer questionamento dirigido a ele. O que o professor da entrevista faz (íntegra agora só buscando no Google, digite o nome do professor, "aliás" e "Estadão" que cai lá) é, como especialista muito superior à minha baça pessoa, configurar muito melhor a questão: os protestos podem ser sintomas do que chama de redução do exercício da política uma forma peculiar de consumo. Vejo isso a torto e a direito nas minhas vizinhanças pessoais e profissionais. O fato é que o novo manifestante será cada vez mais celebrado como o distinto, o esclarecido, o intelectualmente superior, o descolado. E, em meio à política e tudo o mais, o que vejo dia após dia é que as pessoas são capazes de se matar para parecerem superior aos seus vizinhos. Nem que seja só um pouquinho ("eu sou mais avançado que você, viu?") Passarei a respeitá-los mais ainda quando, no caso dos estudantes, fecharem suas matrículas nas escolas particulares mais disputadas e se juntarem aos alunos das escolas públicas (esses, felizmente, beneficiados com a movimentação toda). E pra fechar, lembro uma feliz frase que acabei de ler no excelente livro "O Fole Roncou", de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (o tema não tem nada a ver com os protestos, mas a frase, dita por Luiz Gonzaga em outro contexto, o musical, é matadora): "Cuidado com a moda. Ela passa." Segue o trecho da entrevista:

Por que a dinâmica dos protestos mudou?

Tem a ver com a forma como estão se organizando as relações sociais hoje em dia. As pessoas conseguem se unir para uma ação pontual, com interesse específico e efêmero, mas não construir projetos consensuais. Isso ocorre porque a relação de consumo se tornou a relação matricial da nossa sociedade. Quando você compra um produto, está desinteressado de todo o longo processo que o levou às suas mãos, envolvendo escolhas, sacrifícios de pessoas, etc. E assim que aquilo satisfaz sua necessidade imediata, você o descarta sem preocupar também com consequências. De certa maneira, há uma relação de consumo com a política hoje. As pessoas estão consumindo política, não produzindo política. Elas não se envolvem nos processos de negociação, nem têm participação efetiva nas tomadas de decisão. Quando vem um resultado - um produto - que elas não gostam, reclamam com enorme intensidade. Mas depois, na hora de construir, que é muito mais difícil, pois pressupõe articulação de interesses diferentes, não conseguem avançar.

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