segunda-feira, 18 de junho de 2012

Brasilia segundo Moravia


Entre a seca que aspira tudo, o concreto quebrado em curvas e as crispações do cerrado, Brasília é mesmo esse lugar à parte que desafia a percepção de quem nela vive. Nem se trata mais de gostar ou não gostar – a pergunta mais frequente feita a quem, não sendo originário daqui, aqui vive – mas de absorver, cada um à sua maneira, a distinta e reelaborada geografia urbana, ao mesmo tempo tão rural, que existe em volta do habitante. Sobre isso, destaca-se a visão do escritor-viajante Alberto Moravia, descrito pela escritora brasileira Ana Miranda como um “Rubem Fonseca italiano” na edição desse domingo do Correio Braziliense. Miranda usa o espaço semanal que tem no jornal para lembrar o impacto estético causado pela visão de Brasília – especialmente do alto do avião que o trouxe à cidade no instante de sua criação – para fazer pensar mais uma vez sobre a impressão que a cidade, parece, sempre nos causará. É mais uma tentativa de tradução ou enfrentamento diante da esfinge que é esta cidade, desde que você consiga, ironicamente em meio à mais previsível rotina que ela também propicia, suspender um pouco o olhar e captar a estranheza que está por toda parte. Seguem trechos da coluna de Ana Miranda, reproduzindo os textos de Moravia:


CIDADE METEORO
A cidade que “caiu como um meteoro em chamas, sacrificando a terra árida com sangue”.


ABSTRAÇÃO NO BARROCO
A cidade abstrata criada para arrancar das costas barrocas e preguiçosas do Brasil as classes dirigentes para retomarem a marcha dos antigos desbravadores no rumo do interior, e ocupar e povoar e enriquecer vastíssimos territórios. Mas, ao mesmo tempo que cidade desbravadora, cidade burocrática, a criar procedimentos padronizados para estruturar a organização da hierarquia, a divisão do poder e do trabalho.


ALUCINAÇÃO URBANA
Saberá Brasília “ser mais vivaz que essas cidades construídas pela força da vontade? Uma questão crucial para o destino da cidade. Até que ponto Brasília se deixaria massacrar pela presença monumental do poder? A cidade ainda se faz essa pergunta, diz o poeta. Como decifrar tua caligrafia de postes e ventos? Agora Moravia está num carro e percorre o Eixo Monumental, depara-se com as torres e sopeiras contra um céu azul, sente-se pequenino como um liliputiano, esmagado e aniquilado pela arquitetura, acha que os edifícios são alguma alucinação, pressente a atmosfera ditatorial, a solidão urbana, a desorientação que os pequenos habitantes sentem diante dos mistérios do poder que os governa.

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