sexta-feira, 2 de março de 2012

A arte do silêncio



Há filmes que são uma evocação (“Cinema Paradiso”), como há outros que são uma epopeia (“O poderoso chefão”). Há filmes que são um poema (“O Carteiro e o poeta”), como há filmes que são um ensaio (“A árvore da vida”). Há filmes que são uma fantasia (“O mágico de Oz”) e há outros que são uma denúncia (“São Salvador, o martírio de um povo”). Há filmes que são um libelo (“Cabra marcado pra morrer”) e há filmes que são um hino (“Hair”).


"O Artista” é um estudo. Nada professoral, nunca pedante, jamais formal, de maneira alguma didático, mas um estudo, sempre, mesmo quando não parece – e quase sempre isso acontece. É um compassado estudo áudio e visual sobre como uma mudança de tecnologia pode interferir na poesia narrativa e na magia encantatória de uma arte como o cinema. Filmado em branco e preto, naquele formato dos filmes mudos e praticamente sem falas (mas com ruídos e intervenções sonoras meticulosamente precisas para sensibilizar a audição visual do público), “O artista” passa como uma valsa dos anos 30 na nossa frente, dançando na sua melodia evolutiva muito própria, enquanto discorre, disfarçadamente como um mágico de calçadão, sobre os mecanismos internos de seu artesanato.

Se fosse literatura, “O artista” seria uma novela, de páginas com entrelinhamento bem diluído, como aqueles textos que, por ocuparem pouco espaço no papel têm o poder de fazer mais vívidas cada uma de suas palavras. São os artifícios deste estudo que lembra, no enredo, na aparência e na combinação de seus vários elementos um  cruzamento de “O garoto” com “Farrapo humano”, mas batido numa tigela tal de culinária cinematográfica que a calda final resulta mais fluida assim como o verso soa mais etéreo que a prosa. Chapliniano pelas artes de um cão que só falta falar em cena – o que não seria menos lírico num filme que se vale tão bem dos sons do silêncio – “O artista” tem o poder de decantar, enquanto é projetado, todo a algaravia do cinemão atual, toda a potência estéril de mil “Velozes e furiosos”, todo o ribombar inútil de toneladas de “Transformers”.

“O artista”, o filme que é um estudo, só é professoral neste sentido de pedir silêncio na sala para que a aula de cinema seja o mais completa quanto for possível. Pena que o barulho dos dentes cravejando pipocas de adultos infantilizados na fila ao lado nem sempre permita a totalidade da imersão. Mas seria querer demais.

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