Há filmes que são uma evocação (“Cinema Paradiso”), como há outros que são uma epopeia (“O poderoso chefão”). Há filmes que são um poema (“O Carteiro e o poeta”), como há filmes que são um ensaio (“A árvore da vida”). Há filmes que são uma fantasia (“O mágico de Oz”) e há outros que são uma denúncia (“São Salvador, o martírio de um povo”). Há filmes que são um libelo (“Cabra marcado pra morrer”) e há filmes que são um hino (“Hair”).
"O Artista”
é um estudo. Nada professoral, nunca pedante, jamais formal, de maneira alguma
didático, mas um estudo, sempre, mesmo quando não parece – e quase sempre isso
acontece. É um compassado estudo áudio e visual sobre como uma mudança de
tecnologia pode interferir na poesia narrativa e na magia encantatória de uma
arte como o cinema. Filmado em branco e preto, naquele formato dos filmes mudos
e praticamente sem falas (mas com ruídos e intervenções sonoras meticulosamente
precisas para sensibilizar a audição visual do público), “O artista” passa como
uma valsa dos anos 30 na nossa frente, dançando na sua melodia evolutiva muito
própria, enquanto discorre, disfarçadamente como um mágico de calçadão, sobre
os mecanismos internos de seu artesanato.
Se fosse
literatura, “O artista” seria uma novela, de páginas com entrelinhamento bem diluído,
como aqueles textos que, por ocuparem pouco espaço no papel têm o poder de
fazer mais vívidas cada uma de suas palavras. São os artifícios deste estudo
que lembra, no enredo, na aparência e na combinação de seus vários elementos um
cruzamento de “O garoto” com “Farrapo
humano”, mas batido numa tigela tal de culinária cinematográfica que a calda
final resulta mais fluida assim como o verso soa mais etéreo que a prosa.
Chapliniano pelas artes de um cão que só falta falar em cena – o que não seria
menos lírico num filme que se vale tão bem dos sons do silêncio – “O artista”
tem o poder de decantar, enquanto é projetado, todo a algaravia do cinemão
atual, toda a potência estéril de mil “Velozes e furiosos”, todo o ribombar
inútil de toneladas de “Transformers”.
“O artista”,
o filme que é um estudo, só é professoral neste sentido de pedir silêncio na
sala para que a aula de cinema seja o mais completa quanto for possível. Pena
que o barulho dos dentes cravejando pipocas de adultos infantilizados na fila
ao lado nem sempre permita a totalidade da imersão. Mas seria querer demais.
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