sexta-feira, 2 de março de 2012

2012 cabalístico


O fim do mundo, está claro, é alguma coisa assim como o tal do gosto: cada um tem o seu e não se discute. Ou melhor: os seus. Ou vai dizer que seu mundo nunca acabou pelo menos umas três vezes para que outros se instalassem no mesmíssimo lugar? Quem tem pelo menos quatro décadas de vida já deve ter passado por ao menos uns três fins de mundo, caso contrário tem algum problema. Pode até não ser o fim do mundo, mas um divã de analista ou ombro amigo já ajuda a resolver. O fato batidíssimo é que este 2012 tornou-se, meio sem que a gente se desse conta, meio que aos poucos, comendo pelas beiradas das ideias, numa promessa de ano bem divertido que já vai se cumprindo. Bastou uma teoria, uma profecia, um calendário exótico, uma maldição pop pra dar uma outra cara aos presentes 365 em vigor: 2012 é o ano do fim do mundo. Mais um, diria você. Aproveite, diria eu.

Aproveite exatamente não no sentido que lhe deu aquele samba de Assis Valente, “E o mundo não acabou”, brilhantemente interpretado, entre outros, por Eliete Negreiros naquele seu disco “A Canção Brasileira – Nossa Bela Alma”, um CD tão bom, mas tão bom que depois de ouvi-lo você não ia se importar nada se o mundo simplesmente se acabasse como quem renuncia à mera possibilidade de haver algo mais tocante. Mas o assunto aqui não é música: é o fim do mundo. E, como dizia, como tantas outras coisas ele não é único – apesar de implicitamente trazer essa condição embutida. Explicitamente, esse fim do mundo definitivo cai na folia e se transforma em algo multicultural como o carnaval de Pernambuco. Por assim dizer, tem fim do mundo em forma de troça, de bloco lírico, de maracatu, de caboclinhos, de potentado pop no Marco Zero e, claro, fim do mundo bem carregado, tipo Rec Beat.

Pra comprovar a diversidade dos fins do mundo você nem precisa ir muito longe: analise os seus e tá esclarecido. Eu, por exemplo, tenho minha pequena coleção de relicários apocalípticos no museu da memória. O primeiro deles foi o incêndio de um supermercado que presenciei criança na minha cidade de origem, Parelhas, Seridó potiguar, numa noite em que, como num filme com trilha de John Williams e direção de Spielberg, a cidade inteira foi acordada aos socos nas portas durante a madrugada pra tirar o time de casa e rumar para a zona rural em caminhões improvisados. Tudo porque o mercadinho Tem-Tem (não ria, o caso foi sério e o risco altíssimo) estava em chamas. Sabe o que tinha ao lado do super? O posto de gasolina da cidade, com tanques cheinhos, pronto para liberar todos os cavaleiros da cisão final. Tá de bom tamanho ou precisa mais?

Tem o dia do terremoto em João Câmara, que ocorreu no trairi potiguar mas também sacudiu Natal e fez dançar o chão e cantar as janelas da residência universitária onde eu morava então, nos latifúndios da UFRN. O trote percussivo dos moradores da residência – todos homens, cada um mais macho que o outro – fugindo em disparada no corredor  do primeiro andar para salvar a vida enquanto tudo balançava foi algo como ouvir a cavalgada das sete bestas do Apocalipse sem saber bem como e porquê. Enfim, como dizem os especialistas no assunto – aquele pessoal que pega um tema árido e logo o envolve em mil camadas de análises filosóficas, metafóricas e pop-divertidas – o fim do mundo é muito pessoal mesmo.

O lance legal do calendário maia que torna 2012 essa diversão em forma de medo é um tal alinhamento astronômico que só acontece a cada 26 mil anos, com o sol no centro e os planetas da Via Láctea todos em linha reta com ele. Eu leio isso e fico pensando no torcicolo que acomete os astros para que tal configuração se realize: é o fim do mundo mesmo; e quem sofre recorrentemente de dor no pescoço por causa dos malditos travesseiros que prometem, prometem e nunca garantem uma noite boa sabe do que estou falando. Também estourou aí – estourou é um verbo aleatório, sem segunda leitura, por favor – uma história sobre um tal de 2003 QQ47, que seria uma sobra de explosões do sol correndo desembestada na direção de algum lugar entre a barragem Gargalheiras em Acari Citi e os recortados litorais japoneses. Mas, fala sério, com uma denominação científica como essas – 2003 QQ47, que mais parece o nome verdadeiro do X3PO da Guerra nas Estrelas – não vai dar não.

Medo pede apelido forte, tipo... “mensalão”, pronto. É pronunciar e não precisa explicar mais nada:  o negócio é matar ou morrer – e a racionalidade que se dane junto com o mundo. Nem vou botar Nostradamus, a Bíblia e Delúbio nesse papo. Deixa os caras em paz que o assunto aqui é algo grande demais pra gente se distrair com os vai-e-vem do Supremo Tribunal Federal. Tá bom: só pra fechar a analogia sobre fim de mundo e renascimento, não custa lembrar que quando explodiu (sem trocadilho) o tal escândalo, não faltou quem decretasse o fim do mundo para Lula e o PT, sem saber que junto com essa sentença estava também eliminando por antecipação toda a mudança econômica e social que ainda estava por vir e mudou a face do Brasil como há muito os brasileiros esperavam. Mas, pensando bem, quem agiu assim estava mais era torcendo contra do que analisando, como aliás se tornou hábito a partir de alguma semana do ano de 2003 na imprensa em geral.

Por falar nisso, algum especialista já tentou aplicar o conceito de fim do mundo à maneira como o Brasil lê sua imprensa ou vice-versa? Sugiro que a pesquisa comece por dois jornaisrecém-fechados na Paraíba. Eu disse que o Armagedon é um cara de muitas faces. Escolha a sua e divirta-se. E não perca tempo, que é só até dezembro.

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