O fim do
mundo, está claro, é alguma coisa assim como o tal do gosto: cada um tem o seu
e não se discute. Ou melhor: os seus. Ou vai dizer que seu mundo nunca acabou
pelo menos umas três vezes para que outros se instalassem no mesmíssimo lugar?
Quem tem pelo menos quatro décadas de vida já deve ter passado por ao menos uns
três fins de mundo, caso contrário tem algum problema. Pode até não ser o fim
do mundo, mas um divã de analista ou ombro amigo já ajuda a resolver. O fato
batidíssimo é que este 2012 tornou-se, meio sem que a gente se desse conta,
meio que aos poucos, comendo pelas beiradas das ideias, numa promessa de ano
bem divertido que já vai se cumprindo. Bastou uma teoria, uma profecia, um
calendário exótico, uma maldição pop pra dar uma outra cara aos presentes 365
em vigor: 2012 é o ano do fim do mundo. Mais um, diria você. Aproveite, diria
eu.
Aproveite exatamente
não no sentido que lhe deu aquele samba de Assis Valente, “E o mundo não acabou”,
brilhantemente interpretado, entre outros, por Eliete Negreiros naquele seu
disco “A Canção Brasileira – Nossa Bela Alma”, um CD tão bom, mas tão bom que
depois de ouvi-lo você não ia se importar nada se o mundo simplesmente se
acabasse como quem renuncia à mera possibilidade de haver algo mais tocante.
Mas o assunto aqui não é música: é o fim do mundo. E, como dizia, como tantas
outras coisas ele não é único – apesar de implicitamente trazer essa condição
embutida. Explicitamente, esse fim do mundo definitivo cai na folia e se
transforma em algo multicultural como o carnaval de Pernambuco. Por assim
dizer, tem fim do mundo em forma de troça, de bloco lírico, de maracatu, de
caboclinhos, de potentado pop no Marco Zero e, claro, fim do mundo bem
carregado, tipo Rec Beat.
Pra
comprovar a diversidade dos fins do mundo você nem precisa ir muito longe:
analise os seus e tá esclarecido. Eu, por exemplo, tenho minha pequena coleção
de relicários apocalípticos no museu da memória. O primeiro deles foi o
incêndio de um supermercado que presenciei criança na minha cidade de origem,
Parelhas, Seridó potiguar, numa noite em que, como num filme com trilha de John
Williams e direção de Spielberg, a cidade inteira foi acordada aos socos nas
portas durante a madrugada pra tirar o time de casa e rumar para a zona rural
em caminhões improvisados. Tudo porque o mercadinho Tem-Tem (não ria, o caso
foi sério e o risco altíssimo) estava em chamas. Sabe o que tinha ao lado do
super? O posto de gasolina da cidade, com tanques cheinhos, pronto para liberar
todos os cavaleiros da cisão final. Tá de bom tamanho ou precisa mais?
Tem o dia do
terremoto em João Câmara, que ocorreu no trairi potiguar mas também sacudiu
Natal e fez dançar o chão e cantar as janelas da residência universitária onde
eu morava então, nos latifúndios da UFRN. O trote percussivo dos moradores da
residência – todos homens, cada um mais macho que o outro – fugindo em disparada
no corredor do primeiro andar para
salvar a vida enquanto tudo balançava foi algo como ouvir a cavalgada das sete
bestas do Apocalipse sem saber bem como e porquê. Enfim, como
dizem os especialistas no assunto – aquele pessoal que pega um tema árido e
logo o envolve em mil camadas de análises filosóficas, metafóricas e
pop-divertidas – o fim do mundo é muito pessoal mesmo.
O lance
legal do calendário maia que torna 2012 essa diversão em forma de medo é um tal
alinhamento astronômico que só acontece a cada 26 mil anos, com o sol no centro
e os planetas da Via Láctea todos em linha reta com ele. Eu leio isso e fico
pensando no torcicolo que acomete os astros para que tal configuração se
realize: é o fim do mundo mesmo; e quem sofre recorrentemente de dor no pescoço
por causa dos malditos travesseiros que prometem, prometem e nunca garantem uma
noite boa sabe do que estou falando. Também estourou aí – estourou é um verbo
aleatório, sem segunda leitura, por favor – uma história sobre um tal de 2003
QQ47, que seria uma sobra de explosões do sol correndo desembestada na direção
de algum lugar entre a barragem Gargalheiras em Acari Citi e os recortados
litorais japoneses. Mas, fala sério, com uma denominação científica como essas –
2003 QQ47, que mais parece o nome verdadeiro do X3PO da Guerra nas Estrelas –
não vai dar não.
Medo pede apelido forte, tipo... “mensalão”, pronto. É
pronunciar e não precisa explicar mais nada: o negócio é matar ou morrer – e a
racionalidade que se dane junto com o mundo. Nem vou botar Nostradamus, a
Bíblia e Delúbio nesse papo. Deixa os caras em paz que o assunto aqui é algo
grande demais pra gente se distrair com os vai-e-vem do Supremo Tribunal
Federal. Tá bom: só pra fechar a analogia sobre fim de mundo e renascimento,
não custa lembrar que quando explodiu (sem trocadilho) o tal escândalo, não
faltou quem decretasse o fim do mundo para Lula e o PT, sem saber que junto com
essa sentença estava também eliminando por antecipação toda a mudança econômica
e social que ainda estava por vir e mudou a face do Brasil como há muito os
brasileiros esperavam. Mas, pensando bem, quem agiu assim estava mais era
torcendo contra do que analisando, como aliás se tornou hábito a partir de
alguma semana do ano de 2003 na imprensa em geral.
Por falar nisso, algum
especialista já tentou aplicar o conceito de fim do mundo à maneira como o
Brasil lê sua imprensa ou vice-versa? Sugiro que a pesquisa comece por dois jornaisrecém-fechados na Paraíba. Eu disse que o Armagedon é um cara de muitas faces.
Escolha a sua e divirta-se. E não perca tempo, que é só até dezembro.
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