Inquieto como um frevo de rua, o filme mistura cangaço e circo numa maratona de alegorias
O filme de Alceu Valença é um rock-xaxado de imagens inquietas, colhidas por uma câmera que dança o tempo todo, construindo um
cinema movimentado como o músico, cantor e compositor que se arrisca em outra linguagem.
Nada fica quieto muito tempo no filme que aposta em gênero consagrado o
bastante no cinema brasileiro para não trazer riscos ao realizador: o cangaço.
Claro que nesta “Luneta do Tempo” temos o cangaço alegórico, como se o filme
todo fosse uma ópera popular movida a um programa musical aplicado sobre os
signos mais caros dos sertões nordestinos.
Alceu mixa o mito do cangaço com o mundo dos circos
mambembes mais pobres, extraindo disso um suco cultural que fala muito próximo
a quem guarda os marcos daquilo que se convencionou chamar de Brasil profundo.
E não faz feio quando se trata dos recursos técnicos que o cinema precisa saber
usar. Vide as cenas de tiroteio, que podem levar o espectador à lembrança de
faroeste americano de soberania técnica, deixando na poeira das caatingas os
truques manjados do cinema novo mais decadente (não do inaugural, onde a
precariedade técnica era, por si só, uma nova linguagem reconstruída).
Alegórico, colorido, festivo, dionisíaco, algumas
vezes violento como a realidade que afinal também evoca, em muitas outras também
lírico como se espera de um Alceu Valença, “A Luneta do Tempo” tem ainda o
carisma instantâneo, imediato, direto e envolvente de nossa (para os potiguares)
Khrystal, que, cantora magnífica que conhecemos, no filma mal precisa abrir a
boca para expressar o que vai dentro de uma cangaceira ferida não no corpo mas
no amor-próprio do sentimento ultrajado. Belo desempenho mudo de uma das nossas
mais potentes vozes. Verás que mesmo sem lançar mão do seu instrumento vocal
Khrystal preenche a tela inteira – e olhe que vi na tela generosa do Cine
Brasília – com sua máscara de mulher tão magoada quanto decidida – e veja que
ela está rodeada por ninguém menos do que Irandhir Santos e Hermila Guedes.
“A Luneta do Tempo”, como o próprio nome sugere,
ainda brinca com a forma como a passagem do tempo faz pouco das realidades humanas,
reconstruindo as tais narrativas conforme as circunstâncias. É o momento de
metalinguagem do filme, quando uma sequencia da “realidade” do cangaço é
refeita em forma de drama circense, estabelecendo, como sempre acontece nesses
casos, um interessante diálogo interno do filme com o próprio filme. Com um
desfecho não menos interessante.
Breve, exato, em grande parte convencional, sim, o
filme de Alceu soa como um cordel redondinho, uma canção como essas que contam
uma história emocionante, um drama de circo feito com os recursos de uma arte
tecnicamente mais elaborada. Vai tocar você como boa música – mas é cinema, sim,
senhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário