quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Maratona Orlando



 Não posso contar tudo porque não dá pra contar tudo. Também não tem como enfeixar todas as impressões dispersas em uma frase, sentença ou avaliação restrita e inteligente. Não se trata de responder na lata com aquela opinião matadora quando alguém pergunta, tão na lata quanto: - E aí, como é que foi... Não é questão de falta de domínio da linguagem, de escassez de opinião ou de ausência de objetividade: é que, sendo uma pessoa do tipo tão vulnerável aos estímulos visuais, não consigo mesmo encaixotar em períodos verbais a intensidade daqueles a que fui exposto junto com Rejane, Cecília e Bernardo durante uma viagem de férias de seis dias em Orlando, EUA, a cidade famosa pelo complexo de parques temáticos da Disney e dos estúdios Universal. Tudo o que posso fazer aqui é salpicar gotas dispersas de sensações, cacos de encantamento mais do q ue naturais para quem passou a infância consumindo histórias em quadrinhos e similares, perdigotos descontrolados que o também natural deslumbramento faz chover da mente ainda congestionada.

Só não me peçam distanciamento, contenção, pé atrás ou qualquer outra postura que implique em uma abordagem meio blasé diante do que vi, ouvi, senti. Dá não, coração: desde a mais tenra idade, quando deixava minha aldeia de 14 mil habitantes no Seridó potiguar para visitar a metropolitana Caicó, minha cabeça virava. Imagine quando ia a Campina Grande!  O gigantismo urbano é algo que sempre me atraiu, e se você pretende entender melhor como é que isso se dá na cabeça de uma criança, experimente ler uma HQ do Homem Aranha, qualquer uma, prestando atenção nas cenas que se passam no ruge-ruge da cidade: eram aqueles prédios, aquele povo na rua, aquele agitação incessante que me fascinavam. E os parques da Disney e da Universal – sobretudo o Adventure Land, na Universal, na parte dedicada aos heróis Marvel  - condensa, empacota, sintetiza tudo isso e coloca você lá dentro, bem no meio das fachadas traçadas a lápis, da explosão de cores em forma de minicidade, enquanto o visitante se desvia das motos em que os super-heróis transitam de tempos e tempos. Sem falar no brinquedo 4D do Spider Man, aquela visita ao paraíso que me vi fazendo três vezes. Ainda bem que não tinha fila.
Falando em filas, desconfie delas. Ou melhor, não acredite tanto assim naquelas placas que indicam quanto tempo você vai levar para chegar à atração principal. Às vezes está lá 30 minutos, mas é entrar na fila e você percebe que, como diz o ditado, a fila anda, e anda rápido – e algumas vezes há atrações pra lhe distrair enquanto você está na fila. E o que é melhor, às vezes a atração da fila consegue até superar a atração principal, ao menos pra mim. Foi o caso do brinquedo chamado, salvo engano, A Grande Corrida do Cinema: a promessa, cumprida, é de que você vai, dentro do seu trenzinho, transitar por alguns dos maiores clássicos dessa arte americana. De fato, um gangster à James Cagney vai seqüestrar o carrinho em que você passeia, um tiroteio vai  lhe pegar no meio do caminho, Alien, o oitavo pass ageiro, vai borrifar sua cabeça com aquele bafo que só ele tem, e a bruxa de O Mágico de Oz vai lhe jogar imprecações antes de permitir que a viagem continue. Ocorre que, antes de passar por tudo isso, você vai esperar na fila que dá voltas numa simulação de uma sala de cinema onde todos esses filmes e mais outros são projetados numa tela de tamanho real, lhe dando a chance de ver trechos dessas produções que há muito não se consegue ver numa sala escura de verdade. O passeio é ótimo, mas ainda acho que a projeção – e no final do passeio você vai ver mais um pouco – não tem preço.
Orlando, a cidade em si, acabou ajudando meu coração provinciano a entender Brasília um pouco melhor: é uma cidade absolutamente plana, esquadrinhada por ruas que mais parecem auto-estradas. Entendi melhor o choque que tanta gente experimenta ao conhecer Brasília. Orlando é Brasília elevada ao cubo. Ninguém nas ruas. Ninguém. Calçadas, quando existem, são iguais às de Brasília – aquela trilha de cimento estreita entre faixas de grama. Aí você entra num out-let, num shopping ou mesmo numa daquelas gigantes lojas “de rua” (como a livraria do tamanho de uma loja de material de construção brasileira) e descobre onde as pessoas se escondem. Só não conseguimos mesmo foi entender onde as pessoas moram. É, moram. Porque tudo o que vimos, numa cidade que além de plana é de prédios predominantemente baixos, com uma ou outra torre sobressaindo, foram ins talações comerciais. Claro que não podemos dizer que “conhecemos” Orlando: os lugares por onde passamos, presumo, é que são assim. Deve haver uma cidade mais normal além do horizonte imediato, mas este não vimos.
E se dá pra fazer alguma tentativa de ser objetivo, arrisco dizer que o que mais me chamou atenção nas pessoas – nas quais também reparei, em busca daqueles pontos em comum que nos faz a mesma humanidade embora dispersa por países tão diferentes – foi um certo espírito assertivo. A assertividade americana, se posso dizer assim. Eles podem até não ser, mas parecem muito assertivos em tudo o que fazem: desde o negão que me ajudou a embarcar na conexão Miami-Orlando, explicando com firmeza, atenção e educação três vezes para que eu tivesse cuidado quando fosse retirar uma bolsa do bagageiro superior do avião, até a garota que, numa loja massa de quadrinhos em que infelizmente não pude me demorar, saiu do caixa – do caixa – para me explicar onde ficava uma loja de brinquedos que procurávamos para Bernardo. Atenciosos, educados, sorridentes, relaxad os (mas atentos ao trabalho, fosse ele qual fosse) e, numa palavra, assertivos: foi assim que os norte-americanos de Orlando me pareceram. Se alguém de coração menos provinciano do que o meu me disser que isso é porque se trata de uma cidade turística, vou entender perfeitamente. Mas por favor não me negue o prazer do deslumbramento, porque ele pode ser muito valioso num tempo em que desfazer de tudo e de todos no Facebook parecer ser a máxima sensação de prazer que alguém pode experimentar. Fico – e feliz – com o provincianismo, que me faz manter nos olhos um encantamento a ser despertado cada vez que vejo algo que sendo diferente é também bonito, interessante e estimulante. E a assertividade, aqui como lá, pode ser tudo: quem disse que o negão do bagageiro tinha a obrigação de sair do canto dele e dar tanta atenção a um passageiro desconhecido... idem para a garota do caixa.
Voltei com a impressão de que com assertividade a gente tanto pode atender bem um turista – a Copa vem aí, faça sua parte – quando construir um país. Dá trabalho, leva tempo, exige esforço e paciência (outra característica que vi muito entre os nativos gringos) mas acaba acontecendo. Se eles têm defeitos – um monte, e a manchete dos jornais e telejornais nos dias em que estivemos lá foi mais um daqueles massacres malucos em escolas – têm também qualidades como a assertividade. E, em viagem, desculpe aí mas tenho que defender meu ponto de vista, prefiro reparar mais nas qualidades do que nos defeitos. Na vida, em geral, também. Talvez seja isso o que esteja mais em falta entre nós, brasileiros.

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