quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A ADOLESCÊNCIA DAS FINANÇAS


Juventude mais tecnologia turbinada com dinheiro é igual um mundo congelado pela frieza dos sentimentos, esvaziado pelos aspiradores dos sentidos, retocado pelas impressões do que não vai além da mera aparência. É o mundo de “Cosmópolis”, o filme de David Cronemberg que compõe uma instigante parábola do mundo tecno-financeiro-juvenil atual, num tipo de cinema-ensaio que se no impactante tratamento visual lembra um Stanley Kubrick de ótima cepa, no texto propriamente dito emula o mais reflexivo cinema dos anos 90, como “O hotel de um milhão de dólares” de Wim Wenders.
Mas isso são só referências, porque este “Cosmópolis” está trincando de tão novo quanto se trata de ler a reluzente algaravia sociofinanceira dos nossos tempos de neoprotestos e riqueza ostensiva tão proclamada quanto revestida de sentimento de culpa. “O que significa gastar dinheiro”, pergunta uma Juliette Binoche provocativa como uma das inúmeras passageiras da limusine atarantada de Robert Pattinson. Pelos seus bancos isolados do caos lá fora passeiam outros convidados, cada um despejando no ambiente à prova de som externo suas teorias esparsas sobre mercado, estilo, tédio, capitalismo e prazer.
O rosto naturalmente meio robotizado do vampiro Pattinson cai à perfeição nesta parábola que destila luxo e decadência ao mesmo tempo, enquanto usa os ratos como metáfora para o poder da grana asséptica que circula entre operadores. Uma cena inteira costura a provocação, compondo um jogral em que o rato assume o valor de papel moeda, título financeiro, valor de face e poder de compra. Nas dezenas de diálogos que pontuam e sustentam as idéias do filme, especula-se sobre o poder até gramatical das declarações econômicas, quando um personagem decreta com propriedade sobre os especulativos tempos atuais: “Toda economia ficou em suspenso porque ele (um poderoso ministro de finanças) respirou fundo (antes de responder a uma pergunta)”.
E tome teses sobre o dinheiro, que, “assim com a pintura, perdeu sua capacidade narrativa”. É daí pra frente o nível da sessão, como se o sistema inteiro estivesse usando o carrão do protagonista como divã de análise planetária. E o protagonista faz por merecer, exibindo como prêmio indesejado um vazio tão grande que o faz igual, similar, embora em pólo oposto, aos ativistas quase infantis que se aprazem em estourar tortas nos rostos dos ricaços. O manifesto verbal de um deles após este terrorismo inocente é de um caráter tão patético quanto a apatia de Pattinson – e de um equilíbrio fino; um tom a mais e seria comédia pura, mas é evidente que não é disso que se trata.
Quem leu as toneladas de textos publicados quando o filme foi lançado sabe que, narrativamente comprimida, a história mostra um megamilionário das finanças tecnovirtuais atravessando o caos de uma cidade dentro de um carro isolado de tudo e de todos para ir cortar o cabelo num bairro distante. Pois é lá, no dito barbeiro, que encontramos a razão de sua teimosia: está ali, numa espécie de relicário analógico conservado com visual de instagram em sépia, o pouco de memória afetiva que lhe resta. O barbeiro, amigo do pai, relembra os tempos de taxista – tão diversos daquele freqüentado pelo protagonista.
No balanço final, ocupa toda a tela a imaturidade daqueles que enriqueceram quase ao deixar as fraudas, por artes de um sistema que tem pressa e já não consegue ver graça nem no dinheiro que produz e reproduz. Uma adolescência financeira que, de outra maneira, também atinge quem está do outro lado da barricada – os ativista de tortas de chocolate. Pior para suas vítimas de mais idade, como o personagem de Paul Giamatti com quem Pattinson tem seu enfrentamento final. E a quem aconselha, ciente de que, mesmo imaturo na experiência, vive com a mente cravada por uma indesejável intuição: “Há muito pouco nessa sociedade que você precisa odiar”. Um recado para os muito ricos, os muito pobres e aqueles de extrato quase sempre médio que insistem em denunciá-la o tempo todo. Não que estejam errados – mas nem por isso deixam de fazer parte dela, é o que parece nos dizer “Cosmópolis”.

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