Acho que foi
Luiz Fernando Veríssimo quem disse certa vez que, a despeito da corrupção que
alimenta bolsos e jornais, Brasília é a cidade mais transparente do país. Mais
que transparente, é ofuscante de tanta luminosidade, a ponto de irritar a visão
que busca uma nesga de sombra que seja para descansar os olhos. Que, mesmo com
tamanha superexposição, seus prédios privilegiam vidraças, buscam os raios
solares, abrem-se à claridade como um inseto noturno se apaixona por um poste
de luz. Pois no presente momento, Brasília, quem vê o Jornal Nacional já deve
estar sabendo, é tudo menos isso.
Em setembro,
quando a seca brasiliense se condensa em névoa , essa cidade é justamente o
oposto da claridade – ainda que se mostre curiosamente mais e mais brilhante. Faz-se
difícil de enxergar, turva suas tão conhecidas linhas, veste-se de
subjetividade visual. Torna-se estranhamente sombria, dotada de um inesperado
tipo de meio tom – uma bruma clara que evoca a cegueira branca do livro de
Saramago que Fernando Meirelles transpôs para o cinema.
São dias em
que Brasília parece uma foto em negativo dos fogs londrinos. Nisso e em tudo o
mais, é preciso alertar o espectador distante que a visualiza pelo Jornal
Nacional, nossa bruma de cerrado é em tudo diversa ao que aparenta. O tato
costuma associar a névoa ao frio e à umidade – e aqui dá-se o oposto. Nossa bruma
é o envoltório natural de um grande bafo quente – turbinado pela fumaça das queimadas,
claro, e pela poluição concentrada no ar pela falta de chuvas.
Você acorda
de manhã, olha pela janela e vê uma branquidão borrada. Tudo fica indefinido, o plano e seus habitantes, a mata baixa e o
traço do arquiteto. E o céu queda-se subtraído do azul habitualmente tão
comentado. Tudo queima, irrita, chamusca. Vai-se a transparência. E o cenário
urbano fica muito mais propício à má fama da cidade, com a bruma seca protegendo
em sombras brancas os lobistas desconfiados entre os blocos da Esplanada dos
Ministérios.
É como se Brasília se
tornasse o cenário de uma inusitada espécie de filme noir, onde a escuridão das
tramas e dos personagens se vestisse de branco, desbravando um novo ambiente
para suas tramas recorrentes de roubos, golpes e armadilhas. Antes que a
primeira e aguardada chuva dilua essa imprecisão toda com um aguaceiro daqueles
e traga de volta nossa luminosidade objetiva que quase cega os olhos do
cronista.
* A foto que ilustra o post é de Elza Fiúza/Agência Brasil
* A foto que ilustra o post é de Elza Fiúza/Agência Brasil
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