Inesperadas conexões entre o clima no Planalto Central e a explosão de crises que incendeiam as paixões políticas, aquecendo a já tórrida seca brasiliense
Folheando
uma enciclopédia de História de papel como não se usa mais editar nem folhear, esbarro
numa fotografia que, a despeito de ter sido feita há praticamente 50 anos,
parece ter a data de ontem, ou de hoje, ou de amanhã é até possível dizer. A
imagem é esta aí acima que ilustra o texto e só de bater o olho a gente
identifica nela os anos de chumbo que nos marcaram a História a ferro, tortura
e balas. O curioso é que há na impressão causada por esta foto um engano ligado
ao tempo histórico – e ao mesmo tempo uma permanência ocasionada pelo tempo
climático.
Se a gente
pensar bem, vai notar que à nossa mente arbitrária e subjetiva sempre parece
que quando o mundo ou o país ou uma cidade está a se desdobrar nas dores
intestinas de uma crise que entrará para os livros o clima atmosférico
propriamente dito – ou outras circunstâncias da vida diária, menor, cotidiana –
cessam de existir. Ledo engano, como se dizia antigamente, e como comprova a
foto que motiva a postagem.
O segundo
tópico, referente ao engano histórico, decorre do fato de a data da imagem não
coincidir com os períodos mais ferrenhos da repressão militar que caiu sobre o
país, sobretudo a partir da decretação do Ato Institucional 5. Pois ocorre que
a imagem em questão é um flagrante do “levante dos sargentos”, um fato que é
até pré-1964. Deu-se em 1963, nos embates que serviram de preâmbulo ao golpe, e
tinha, vejam só, um aspecto bem mais legalista do que supõe a mera visão da
foto (ao menos se a gente aspirar do episódio o caráter de quebra de hierarquia
militar, mas poupemos o desinteressado leitor atual dos detalhes e minúcias).
Então: a
imagem, datada – vejam só, novamente vejam só, de um 11 de setembro, o
calendário sempre pronto a nos reservar numerológicas surpresas – mostra um
instante da revolta dessa instância hierárquica intermediária do meio militar, nem
tanto à cúpula nem totalmente desligada das bases, provocada, à guisa de estopim
(que causas, naquele momento pré-deposição de Jango, vinham aos feixes) pelo
impedimento da posse de sargentos eleitos para a Câmara Federal naquele
princípio da década de 60.
“Em
protesto, cerca de 500 sargentos, do Exército, Marinha e Aeronáutica
sublevaram-se em Brasília na madrugada do dia 11 de setembro, ocupando os
principais centros administrativos e o prédio da Rádio Nacional. Os rebeldes
foram dominados em poucas horas, com um saldo de dois mortos”, diz o texto no
volume final da série “Nosso Século”, da editora Abril. “O líder do levante dos
sargentos, Antônio Prestes de Paula, chegou a ser aclamado pelos civis que se
encontravam nas vizinhanças, no intantes em que foi preso. A UNE e o CGT
manifestaram seu apoio aos sargentos. O país estava pegando fogo”, diz a
enciclopédia histórica, ao que a gente é tentado a acrescentar: “Brasília é que
estava pegando fogo”, como acontece em todo setembro, seja qual for –
sargentos, mensalão, Lula x mídia – a crise da vez.
*Abaixo,
outras imagens do levante com a seca de Brasília de coadjuvante: