Na praia do noticiário, o sabor do verão de um ano tão esperado
2004, o ano
dos anos, da Copa das Copas, prometia muito pra começar tão mesquinho. Falta
tudo neste mais que abreviado final de verão. Falta água, e sem ela mais um par de andorinhas ao
menos, sabe-se, verão algum se faz. Faltam médicos, como em qualquer estação de
qualquer outro bem menos esperado ano. Situação que piora com o anúncio da
criação, burocracia empresarial à parte, da mui prestimosa agência turística
DEM Viagens, companhia que, embora tenha acabado de ser aberta por Ronald
Caiado, ex-médico, ex-parlamentar e agora travel agence com muito orgulho, não
para de embarcar centenas de médicos cubanos dissidentes das ditaduras dos
grotões brazucas rumo aos bem mais agradáveis labores de Miami.
Também, com
o pacote oferecido, não hay cubano que resista: a oferta cobre inscrição no
Mais Médicos (com total serviço de despachante), traslado entre o posto de
trabalho abandonado e o gabinete partidário mais conveniente, serviço de
assessoria de imprensa, horário reservado no Jornal Nacional, assistência
jurídica mais ou menos – a embaixada americana pode, no entender na DEM
Viagens, ofuscar o espetáculo com suas facilidades jurídicas quando se trata de
quem vira as costas aos irmãos Castro – e ainda, de quebra, meio como um plus,
um emprego temporário aqui mesmo no Brasil só enquanto os detalhes
administrativos são resolvidos. Coisa rápida. Dá pra dizer não, coração?
Em
compensação, o verão não está para peixe pros black blocs – o que, pra início
de conversa, é muito natural se a gente lembrar que, de saída, aquelas roupas
pretas e capotes não menos sombrios não combinam nem um pouco com o rigor do
calor tropical. Cool é ser terror man contra o sistema em terras climaticamente
ao menos temperadas, mas a rapaziada de burca voluntária sempre pode estourar
umas bombas em favor da nossa mudança rumo ao hemisfério norte. Pode ser que,
na tentativa, um cinegrafista incansável seja atingido por um rojão
desorientado, mas o que seria isso diante da hecatombe política representada
pela nossa transferência imediata, na base da birra infantil geológica, para a
parte superior do globo terrestre?
Falando
nisso, os Black blocs tanto fizeram que arranjaram um adversário superior ao
tíbio governo em vigor ou a qualquer outro partido ou linha política possível:
mexer com cinegrafistas e fotógrafos pode ser muito mais arriscado do que
cutucar, por exemplo, a atávica vocação violenta da polícia nativa. As lentes
da parte ora ferida de morte são muito mais audaciosas do que os vãos mas agora
redivivos coquetéis molotov de antanho, dependendo apenas da intensidade do embate. E, com a morte do
cinegrafista Santiago, parece que quando ambos os grupos se encontram – o que,
por dever de ofício dos cinegrafistas e fotógrafos; e por anseio de publicidade
dos black blocs, é algo tão freqüente quanto natural – o clima pesa como um
equipamento de transmissão ao vivo do tempo da tevê a válvula.
Tudo isso
debaixo de um calor de 40 graus em certas praças cariocas, com uma sensação
térmica de arroto solar, e imagine-se o que o futuro dirá desse verão de tão
aguardado ano. Com o acréscimo da falta de chuvas que assombra dez entre dez
reservatórios de água não do Nordeste acostumado a tais ausências, mas do
interior paulista onde a palavra racionamento deixa de ser um vocábulo
apropriado ao sotaque nordestino para ganhar a saxonicamente enrolada prosódia
local. E nem dá pra fugir de tudo isso comprando um pacote da DEM Viagens,
cujas promoções se limitam ao porte da nacionalidade cubana. Só chamando os black
blocs para implodir o rio Amazonas, criando um afluente incidental que despeje,
qual a interminável transposição do São Francisco, uns novos riachos entre
Sorocaba e Presidente Prudente. Mas, ao contrário das empreiteiras, os black
blocs nunca agem sob estímulo financeiro: o jeito é convencê-los de que uma
multidão de índios ameaça fritar e comer Edward Snowden misturado com farinha
feita de papéis altamente sigilosos às margens da ilha de Marajó. O efeito das
bombas certamente se fará sentir na irrigação dos últimos vales de São Borja –
e, sendo assim, todos darão adeus ao racionamento. Todos, menos os nordestinos, claro.