Yes, nos
temos Titina. A frase adaptada poderia estar escrita em faixas estendidas entre
o Morro do Careca,em Natal, e o Bico do Papagaio, na área rural de Acari-RN,
tal a expectativa que se formou em torno da aparição da atriz potiguar (e
seridoense, e acariense, convém acrescentar pra todo mundo se sentir
representado) Titina Medeiros na nova novela global das sete, “Cheias de Charme”.
Se quisesse cultivar o cinismo reinante e pretensamente superior, poderia dizer
que o fenômeno que antecede a novela e a presença de Titina no folhetim é
apenas mais uma manifestação do nosso provincianismo tosco. Que toda vez que
alguém diz no tuite ou no facebook que sente orgulho só de ver Titina nas
chamadas do programa está expondo mais uma vez a nossa própria pequenez
cultural.
Mas acontece
que aproveitar o “caso Titina” para referendar novamente – e agora em escala de
comunicação de massa – o cultuado complexo de inferioridade local (no que,
claro, quem o aponta sempre se coloca acima dele, escapando do panorama da
mediocridade geral) será apenas trovejar na tempestade – e, visto de outra maneira,
incorrer no equívoco situado no lado inverso daquele desdém anterior. Ou se
peca por deslumbramento, ou por apatia. Não existe possibilidade de transcendência
no país do elefante. Soa redutor, ou não? Numa linha mais transversal que
abarque tanto o excesso de expectativa que realmente existe (e pesa, quando não
deveria) quanto qualquer reserva intelectual que afinal de contas desprezará
Titina no pacote da novela como um todo e como gênero menor, pode-se tentar “pensar”
o fenômeno social em termos mais específicos.
A palavra é “representatividade”:
assim que foi anunciado que a atriz potiguar iria para a tela consagrada e
disputada e superexposta da dramaturgia global, Natal, Acari, o Seridó, a classe teatral local, os jornalistas culturais, eu, você, todo mundo que conhece ou admira a energia que Titina transmite e exala nos vimos tomados por uma legítima ânsia de representatividade. Os baianos têm
seu lugar no veículo de comunicação mais influente e massivo do país; os
paraibanos aqui e ali enxertam alguém na tela platinada; os cearenses fazem a
zorra classe C dos humorísticos – e nós, os de Poti, por que não abrimos uma
porta que seja por lá?
Com Titina
na novela, abriu-se esta porta – ainda mais quando o noticiário especializado
aponta que ela está sendo vista como uma “aposta” da nova teledramaturgia
classe C que a emissora vem explicitamente buscando. O que acontece a partir
daí é uma confusão até previsível: a “representatividade”
potiguar de Titina na tela global é apenas simbólica (com o perdão do “apenas”,
mas a palavra aqui é necessária para o
entendimento da comparação). E da maneira como o processo vem se dando, a pobre
da Titina está sendo tomada pela nossa “opinião pública” quase como uma
representante “política” do que somos no canal de comunicação que faz – ou pelo
menos proclama fazer – a média do brasileiro em geral.
Aí surgem os
problemas: o compromisso de Titina é com um personagem engendrado numa
narrativa presa aos padrões do gênero novela. Dane-se então o realismo, a
coerência externa (a interna é a que importa) ou qualquer outra forma de
compromisso com o esperado papel de “nos representar”. Titina representa
Socorro – e não a mulher potiguar, ou a atriz potiguar, ou a simpatia
seridoense, ou ainda os pintas natalenses. Na medida em que ela não
corresponder a essa expectativa externa, pode até ser rejeitada – ironicamente,
por aqueles que, a conhecendo fora do contexto da novela, como pessoa e como
atriz a quem nos acostumamos a apreciar, são os que mais gostam dela e os que
mais esperavam da sua participação na Globo. Sim, nós mesmos, os potiguares.
De qualquer
maneira, pelo que se viu nos dois primeiros capítulos – singulares para dar uma
inicial e importante pincelada no personagem mas atomicamente minúsculo quando
se pensa na extensão geral da narrativa – já dá pra arriscar ao menos um
palpite, que por sinal recoloca o papel de Titina na novela e na real. É que,
sendo a menos reconhecida pelo star system que caracteriza a dramaturgia
global, Titina surge, entre as empregadas todas de “Cheias de Charme”, como a
mais próxima do real. É a menos retocada, a mais rústica, a menos glamourosa.
As outras são cheias de charme; ela é cheia de arestas que podem vir tanto do
batismo de fogo da atriz numa nova forma de representação estética quando do enredo
da novela propriamente dito. Se há alguma chance de realismo na chanchada
televisiva que a novela assumidamente quer ser, vem da Socorro/Titina que
representa as empregadas “do mal”: aquelas erráticas, que aprontam e não param
em emprego nenhum. Isso pode se dar pela via da comédia, da novidade e da
própria imprevisibilidade – esse bônus com que nem sempre as protagonistas,
muito mais vigiadas pela expectativa do público, podem contar.
Com todas as
limitações formais que uma novela impõe, aquele olhar entre desconfiado e agressivo
que Titina/Socorro faz quando a patroa lhe apresenta a proposta de trabalho é
muito característico de uma categoria profissional que, muitas vezes morando na
casa onde trabalha, precisa dosar disponibilidade com precaução – numa equação
de comportamento que busca o mínimo de distanciamento entre patrões e
empregados. As empregadas domésticas em geral têm essa postura (pense nas que
já lhe atenderam e examine se não foi assim
ao menos no início; se você é uma delas, certifique-se de que esses
elementos fazem ou não parte do seu pacote de características quando assume um
emprego novo). Rosto novo no vídeo, estreante na casa de milhões de
brasileiros, Titina, desconfio, em que pesem as maldades de Socorro (em busca
de um raio de sol que seja na sua janela, como bem caracterizou sua primeira
fala), produzirá entre o público do programa – especialmente entre as
domésticas – uma identificação maior, porque menos comprometida com o glamour
mínimo que o gênero coloca nos ombros das três protagonistas.
Se uma
novela sobre empregadas – mas divertida, pop, musical e arejada – é a novidade,
Titina e sua Socorro podem ser o novo dentro do novo. Isso para o público em
geral que não conhece a atriz nem a pessoa. Pra nós, potiguares ansiosos, o
fundamental agora é prestar mais atenção em Socorro – que ainda vai desfiar sua
história nos próximos capítulos – e menos em Titina.